Os Bastardos de Avis. Os Bastardos do Rei Bastardo
«(…) O
outro bastardo de João I (que foi, aliás, o primeiro de todos os seus filhos,
legítimos ou ilegítimos) nasceu entre 1370 e 1377, numa casa à Porta da Aira,
junto ao Tejo, que era pertença de Rui Penteado. Afonso foi criado por Gomes
Martins Lemos, seu aio, que morava em Leiria e nesta vila viveu até 1401, ano
em que dom João I o legitimou para ele casar, a 8 de Novembro, com dona Brites
(ou Beatriz) Pereira Alvim, única filha de Nuno Álvares Pereira, o Santo
Condestável, que era, também ele, um bastardo.
Com a mulher, que era
condessa de Barcelos e Arraiolos, Afonso recebeu muitas e boas terras: a vila
de Chaves e o seu termo, as terras de Penafiel, Basto e Montalegre e várias
quintas, honras, coutos e julgados, além do título de conde que, a pedido do
sogro, seu pai lhe concedeu. Tornou-se assim o mais opulento senhor do reino.
Do seu casamento
nasceram três filhos. O primeiro foi Afonso, conde de Ourém e, depois, marquês
de Valença (o primeiro marquez que ouve neste reino), que teve de uma Brites
Sousa (que ele à hora da morte mandou chamar para receber por mulher e quando
chegou era já morto) um filho, Afonso de Portugal, que terá sido bispo de
Silves e foi com certeza bispo de Évora, sendo considerado uma das personagens
mais interessantes do Renascimento português. Afonso, que morreu em 1460, ainda
em vida de seu pai, teve três filhos bastardos, o primeiro dos quais, Francisco,
será conde de Vimioso.
Nasceu depois dom
Fernando, quasi parvo, a que chamavão epicondríaco e se fazia pote e outras
cousas galantes. Foi o segundo duque de Bragança e casou com Joana de
Castro, que lhe deu oito filhos. Por fim, nasceu Isabel, que casou com o
infante dom João, seu tio, filho legítimo do rei de Boa Memória. Em 1405,
depois de ter acompanhado sua irmã a Inglaterra, Afonso visitou várias cortes
europeias. Por 1410, esteve em Jerusalém, para venerar o Santo Sepulcro, tendo
sido honrosamente recebido pela senhoria de Veneza quando por lá passou.
Depois de ter sido
decidida a conquista de Ceuta, em 1415 (ano em que enviuvou), Afonso levantou
gente nas províncias da Estremadura e Entre-Douro-e-Minho, e com ela foi
embarcar ao Porto. Assumiu o cargo de capitão da capitania real e, na conquista
da cidade, diz Azurara, bateu-se valorosamente. De regresso a Portugal, recebeu
de seu pai novas mercês, que dom Duarte acrescentou quando subiu ao trono, em
1433. Durante o reinado de seu meio-irmão gozou, aliás, de muito valimento.
Mas, aquando da frustrada conquista de Tânger, em 1437, o seu conselho, que era
contrário a ela, não foi seguido.
Após a morte do rei
Eloquente, colocou-se ao lado de dona Leonor, a rainha viúva (e triste), a quem
dom Duarte confiara a regência, na menoridade de dom Afonso V. E encabeçou o
partido que se opunha à intervenção do infante dom Pedro (seu meio-irmão) no
governo do reino e de que faziam parte o arcebispo de Lisboa (neto bastardo do
rei dom Fernando) e muitos fidalgos da Beira e de Entre-Douro-e-Minho.
Quando, na sequência
das Cortes de Lisboa de 1439, o infante tomou o poder, assumindo a regência, o
bastardo quis dar-lhe luta. E esteve a ponto de o fazer em Mesão Frio. Mas
Afonso, conde de Ourém, seu filho primogénito, evitou o confronto, logrando
reconciliar o pai com o tio. Com esta reconciliação, que foi, aliás, de curta
duração, ganhou Afonso, em finais de 1422, o título de duque de Bragança.
Mas não era suficiente para aplacar a sua ambição.
Escreve Oliveira
Martins: O bastardo de dom João I, insaciável, ansioso por vingar com o
poder e com a riqueza a inferioridade da sua origem, perante irmãos mais nobres
a todos os respeitos, conseguiu penetrar também: subir, voando como um falcão,
ou insinuar-se, rojando-se como uma serpente: trepar até sobre o cadáver do
desgraçado de Alfarrobeira e, ganhando afinal, com o ducado de Bragança, um
lugar ao lado dos duques de Viseu e de Coimbra, fazer desse posto o degrau que
levou também ao trono os seus descendentes». In Isabel
Lencastre, Os Bastardos Reais, Os Filhos Ilegítimos, Oficina do Livro, 2012,
ISBN 978-989-555-845-2.
Cortesia de OdoLivro/JDACT
JDACT, História de Portugal, Isabel Lencastre, O Paço Real, Conhecimento,