Os Bastardos de Avis. Os Bastardos do Rei Bastardo
«(…) Afonso,
duque de Bragança, ambicionou para o filho o título de Condestável do Reino,
que fora de seu sogro. Mas o infante Pedro já o reservara para o seu próprio
filho, também chamado Pedro, que viria a ser mestre de Avis e, depois, rei de
Aragão. Por isso, os dois irmãos voltaram a zangar-se. E a oposição do
duque de Bragança ao regente não mais teve descanso. Em 1446, quando o rei
atingiu a maioridade, Afonso tratou de o incompatibilizar com o regente Pedro.
Este acabou por ser afastado da corte pelo sobrinho, que era também seu genro.
Em 1447, com efeito, Afonso V casara com dona Isabel, filha do duque de Coimbra
e da condessa de Urgel, sua mulher.
Caído em desgraça no ano seguinte
ao casamento da filha, o infante Pedro foi acusado pelo partido do duque de
Bragança de ter envenenado a rainha dona Leonor, viúva de dom Duarte (que
faleceu em Castela, no ano de 1445), e de ter mesmo tentado matar Afonso V,
para sentar no trono o seu filho. O príncipe defendeu-se como pôde. Mas sem
sucesso.
Em Outubro de 1448, Afonso V, o
rei Africano, chamou Afonso à corte. Mas aconselhou-o a vir bem acompanhado de
homens e armas, uma vez que tinha de atravessar as terras do Mondego, que
pertenciam ao infante Pedro. O duque de Bragança marchou sobre Lisboa na Semana
Santa de 1449, à frente de um exército de três mil homens, mas o duque de
Coimbra não lhe consentiu a passagem pelos seus domínios, pelo que Afonso foi
forçado a mudar o itinerário. E, quando chegou à corte, apresentou queixa
contra o antigo regente. Reunido o conselho do rei para apreciar o protesto,
foi o infante Pedro declarado rebelde e desleal ao monarca. E este decidiu ir
submeter pelas armas o sogro e os seus partidários. Enfrentou-os e derrotou-os
a 20 de Maio de 1449, em Alfarrobeira, perto de Alverca, numa batalha em
que o antigo regente Pedro perdeu a vida.
Afonso viverá mais uma dúzia de
anos, na companhia de sua segunda mulher, Constança Noronha, filha daquele
conde de Gijón e Noronha que casou com a bastarda do rei dom Fernando. Morrerá,
carregado de anos, em Chaves, no ano de 1461, riquíssimo, poderosíssimo, na
plena satisfação das suas grandes ambições, como escreveu Oliveira Martins:
Teve o 1.º duque
de Bragança uma copiosa e ilustre descendência, imperadores, reis, príncipes,
fidalgos e plebeus. Dela fazem parte o actual duque de Bragança ??, é claro,
mas também o rei de Espanha ou o rei dos Belgas, o grão-duque do Luxemburgo e
os príncipes soberanos do Mónaco ou do Liechtenstein, o conde de Paris, o chefe
da Casa de Áustria e o príncipe herdeiro da Jugoslávia. Mas a ela pertencem
igualmente o cónego João Seabra e frei Hermano da Câmara (que, também por via
bastarda, é descendente do rei Luís XV de França), os jornalistas Maria João
Avillez, Miguel Sousa Tavares e Sofia Pinto Coelho, os fadistas Maria Ana
Bobone ou Vicente e José da Câmara, além de vários nomes sonantes da política
portuguesa como António Capucho, José Pacheco Pereira, José Miguel Júdice, Leonor
Beleza ou Teresa Patrício Gouveia. E ainda o cineasta António-Pedro
Vasconcelos, os cavaleiros tauromáquicos António e João Ribeiro Teles, o
cozinheiro José Avilez e os actores Francisco Nicholson e Rui Mendes.
O
Bastardo que Nunca Existiu?
Filho herdeiro de João
I e marido de dona Leonor de Aragão, o rei dom Duarte teve cinco filhos legítimos:
(1) Afonso V; (2) Fernando, duque de Viseu, que foi pai do rei dom Manuel I; dona Leonor, que casou com Frederico
III, imperador da Alemanha; (4) dona Catarina; e (5) dona Joana, que foi rainha
de Castela pelo seu casamento com Henrique IV, o Impotente. Sobre isso, dom Duarte foi autor de dois
livros, que lhe valeram o cognome de Eloquente:
o Leal Conselheiro e A Arte de Bem Cavalgar Toda a Sela.
No capítulo XXX da primeira destas obras, que trata Do pecado da luxúria,
escreve o monarca:
Para
guarda deste pecado, nosso primeiro fundamento deve ser amar e prezar virgindade
e castidade quanto se mais puder fazer, havendo-a por grande virtude, que muito
desejamos sempre haver e possuir. E porque todo o homem com grande diligência guarda
o que muito ama e preza, quem esta virtude muito amar e prezar por a bem
guardar se afastará das ocasiões e azos por que a possa perder.
Mas um dia terá
havido na vida do rei Eloquente, um dia, pelo menos, em que ele pode não ter
resistido à tentação da carne, cometendo o pecado da luxúria, que tantos
sabedores e grandes pessoas tem vencido. E isto porque dom Duarte poderá ter
sido pai de um bastardo». In Isabel Lencastre, Os Bastardos Reais, Os
Filhos Ilegítimos, Oficina do Livro, 2012, ISBN 978-989-555-845-2.
Cortesia de OdoLivro/JDACT
JDACT, História de Portugal, Isabel Lencastre, O Paço Real, Conhecimento,