Três Irmãs na Corte de Leão (1086-1094
S.
Pedro de Montes, Bierzo, Abril de 1086
«(…) Elvira quis dizer que bem a
tinha avisado de que o dia da chegada de Afonso VI não era o dia ideal para
ensaiarem caminhadas nas serras, muito menos de espada na mão, mas não se
atreveu.
Argumentos que não tinham
dissuadido Teresa da sua expedição, tão determinada como a mãe, que, contra
todas as previsões de temporal, há menos de dois dias mandara as filhas, e a
gente da casa, atravessar as montanhas ainda nevadas, no difícil caminho do
castelo de Urvel até ao Mosteiro de S. Pedro de Montes, fundado e patrocinado
pela família Moniz. Em tempos, havia sido ali que os ermitas tinham procurado a
solidão, e agora Ximena buscava a protecção do abade Pedro. Mas talvez procurasse,
acima de tudo, distância do lago de Carucedo...
Porque será que o imperador cá
vem?, perguntou, ofegante, Elvira, a pergunta que ninguém se atrevia a formular
por palavras. Teresa estacou em silêncio, enquanto sacudiu o cabelo loiro,
endireitando a touca que nunca estava muito tempo direita na cabeça, apesar do
esforço da ama, que a compunha vinte vezes por dia, não, quarenta, ou mesmo
cinquenta, ou todas aquelas em que se cruzava com ela… Talvez o pai viesse
buscar a mãe, talvez a rainha Constança tivesse morrido, talvez os levasse a
todos para a corte. Mas não queria confessar a Elvira o seu sonho e, por isso, encolheu
os ombros e respondeu, mal-humorada: E achas que eu sei? E debruçando-se para
apanhar uma margarida, começou a arrancar-lhe as pétalas, com fúria: Bem me
quer, mal me quer, muito, pouco ou nada.
Irritava-a que a mãe fosse nada,
ou quase nada, quando muito, pouco... Sabia que em tempos tinha sido muito, mas
que importava isso se agora era outra mulher que se sentava no trono à direita
do pai, a quem os nobres beijavam a mão e o povo aclamava à sua passagem. Se
era ela, a outra, que tinha dado à luz uma filha legítima. A única. A sua
meia-irmã Urraca. Elvira esperou a explosão que se seguiria. A rainha devia ser
a mãe, vociferou finalmente Teresa, enquanto atirava o pé da flor assassinada
para o chão e a pisava. Elvira esfregou os olhos inchados pelo pólen das flores
que esvoaçava no ar, lavados agora pelas lágrimas: Não comeces com essa
história outra vez, implorou.
Mas não tinha sorte nenhuma. Já
sabia que não ia ter sorte nenhuma. Ultimamente, Teresa repetia e tornava a
repetir a história de amor dos pais, ou de desamor, que uma das damas da mãe lhe
contara às escondidas. Por maldade, dizia a ama. Por inveja, garantia a criada,
que se lembrava bem do ciúme que os amores de Ximena e Afonso tinham provocado
naquela pequena corte de província. Mas fosse porque fosse, a verdade é que
tinha estilhaçado o coração da irmã, e quando o coração da irmã era estilhaçado,
sobrava para toda a gente à sua volta.
Teresa respirou fundo, aquele
respirar fundo que a mãe repreendia sempre: Teresa, pareces um boi a soprar
pelas ventas, deixa-te disso, e calou-se. Elvira queria consolá-la, mas que
podia dizer? Por muito ouro e terras que Ximena doasse aos conventos, por muito
poder que a ligação ao imperador lhe trouxesse, o padre na prédica de domingo
dizia vezes sem conta que os filhos não podem nascer fora do casamento. A alma
da mãe estava em perigo, e quando Elvira fechava os olhos à noite via-a arder
nas labaredas do Inferno, e ficava ali horas e horas a olhar o tecto até que
segurava contra si o corpo quente de Teresa, que dormia serenamente ao lado, e
finalmente adormecia». In Isabel Stilwell, Dona Teresa, Livros
Horizonte, 2021, ISBN 978-972-242-003-7
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JDACT, Isabel Stilwell, História, Conhecimento, Literatura, O Saber,