Os caprichos de uma Infanta (1785-1790)
«(…) Se ao tédio que
possivelmente provocava a Carlota uma manifestação artística que não entendia
nem gostava se adicionar o facto de, desde a chegada a Queluz, ter sido
obrigada a assistir a longas cerimónias protocolares, das quais seguramente lhe
escaparia o sentido, uma vez que ainda não dominava o idioma, é compreensível
que se mostrasse irritável, ao ponto de um dia, enquanto estava a comer com o infante
João, ter atirado à camareira que o servia um pedaço de comida com tão
desajeitada pontaria que uma parte foi parar à cara do marido. Contudo, ao
ouvir a queixa do infante, Carlota desculpou-se dizendo-lhe que não queria acertar
nele mas na outra que estava ali.
João observaria mais tarde que a
infanta parecia comportar-se dessa maneira propositadamente e com o objectivo
de chamar a atenção, uma vez que quando havia gente diante dela estava sempre mais
inquieta do que quando estava só.
Uma vez a condessa de Lumiares
disse-lhe que os sapatos que estava a usar estavam velhos e que deveria calçar
uns mais novos, e a infanta acabou por lhe responder com muito maus modos. Sintomaticamente,
pouco depois a sua mãe queixar-se-ia à dama irlandesa da falta de asseio dos
aposentos e dos vestidos da sua filha.
Mas o pessoal de serviço não
seria o único a sofrer com os caprichos da infanta. Quando adquiriu confiança
com a própria família real, Carlota parece ter antipatizado com a infanta Maria
Ana, a irmã solteira da rainha, a quem a partir de um certo momento começou â
responder mal. cansada de ouvir palavras antipáticas da pequena espanhola, a
velha tia acabou por se queixar à rainha. Para a castigar, Dona Maria acabou por
proibi-la de montar o burro, que era o que ela mais gostava.
Embora tenha sido advertida de
que na última semana de Setembro (de 1785) teria de revalidar diante da corte
portuguesa os exames que tinha realizado em Espanha, Carlota acompanhou a
família real durante as três primeiras semanas desse mês em vários passeios. No
dia 4 esteve em Sintra, almoçando na quinta do conde de Cantanhede; na
quinta-feira seguinte em Caxias, para ver a vindima, e no dia 18 no convento da
Estrela, do qual regressou às nove da noite.
Na véspera dos exames, Michelini
queixou-se numa carta à mãe de Carlota dizendo que esta estava muito atrasada nos
estudos musicais, em particular na [sic] chave, e que acabaria por atribuir a
culpa desse facto às excursões que obrigavam a menina a estar quase sempre
fora. Segundo a criada italiana, o pior era que Carlota tinha de se levantar e
sair muito cedo e que depois voltava sempre tão tarde que o padre Filipe não
podia dar-lhe as aulas.
Contudo,
a partir do dia 20 de Setembro, a Gazeta de Lisboa foi informando
entusiasticamente os seus leitores ao longo de uma semana sobre o resultado das
provas públicas às quais a infanta se submeteu na presença da rainha, da família
real e dos fidalgos de serviço da corte». In Marsilio Cassotti, Carlota Joaquina,
O Pecado Espanhol, tradução de João Boléo, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2009,
ISBN 978-989-626-170-2.
Cortesia EdosLivros/JDACT
Cultura e Conhecimento, História, JDACT, Literatura, Marsilio Cassotti, Narrativa