Os caprichos de uma Infanta (1785-1790)
«(…) Nesses exmes, a infanta dissertou
sobre dogmas, mistérios, Doutrina da nossa Santa Fé e Religião, história
sagrada, geografia, gramática e língua portuguesa e gramática latina, incluindo
os Comentários de Júlio César. Tudo isso tão completamente, que não
se pode expressar o que deve causar uma instrução tão vasta numa idade tão
tenra, segundo a Gazeta de Lisboa. Este periódico, além disso, não
deixava de destacar a prodigiosa memória, compreensão e desembaraço da infanta.
No dia seguinte a moça de retrete
escreveu à sua senhora. A verdade é que todos, ficaram muito admirados, pois
não acreditavam que sabià tanto e contou-lhe igualmente que nessa mesmâ manhã o
ministro de Estado tinha ido até ao palácio para a ver dançar, tendo ficado
muito admirado porque sua Alteza tinha dançado como uma pintura.
Por outro lado, a princesa das
Astúrias escreveu ao padre Filipe uma carta na qual dava graças a Deus pelo
facto de ele e da pequena terem saído vitoriosos nos exames, embora se
manifestasse um pouco surpreendida porque para premiar Carlota na corte lhe
ofereceram uns cachorros, já que, conhecendo a sua filha, não lhe parecia
adequado e augurava um final triste: Pobres animalzinhos, rapidamente chegarão ao
fim estando em tais mãos.
Não obstante a visão um pouco
céptica que por vezes se vislumbra
nas palavras da mãe, Carlota
saberia dar exemplo de um controlo de si própria que em mais de uma ocasião
assombraria Maria Luísa. Com efeito, em resposta a uma carta do padre Filipe de
inícios de Janeiro de 1786, na qual este comentava que Carlota tinha resistido inteira,
até às três da madrugada durante a missa de Natal, a princesa das Astúrias
gabava-se de que a sua filha a tinha superado, uma vez que ela na sua vida nunca
tinha podido ouvir a Missa do Galo completa, presumivelmente porque se cansava
ou adormecia antes do final.
Com a chegada do novo ano,
começou a ouvir-se rumores em Lisboa sobre o delicado estado de saúde da
princesa do Brasil. No entanto, para surpresa dos que esperavam a sua morte, a
25 de Maio de 1786 ficou a saber-se a notícia de que a morte tinha levado o rei
Pedro, consorte de dona Maria.
É
provável que no palácio tivesse surgido uma pequena epidemia, porque nesse
mesmo dia Michelini escreveu à rainha para a informar que Carlota tinha uma
febre muito alta, se bem que o seu estado não inspirasse grande preocupação
porque estava de boa cor, gorda e continuava a beber leite de
burra. Informava igualmente que Carlota prosseguia as suas lições com o padre
Filipe, mas não as de música nem as de dança, que pensava retomar quando passasse
um mês sobre a morte do rei». In Marsilio Cassotti, Carlota Joaquina, O Pecado
Espanhol, tradução de João Boléo, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2009, ISBN
978-989-626-170-2.
Cortesia EdosLivros/JDACT
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