domingo, 3 de setembro de 2023

O Mistério do Infante Santo. Jorge Sousa Correia. «Mal Henrique pôs os pés no chão, já o rei se insinuava na sua frente, esperando do irmão a vénia formal, para depois se apertarem num abraço fraterno…»

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Agora ou Nunca

«(…) Como sempre/ ouviu missa na capela contígua aos seus aposentos, ainda as oito horas da manhã não eram suficientes para prescindir das velas que iluminavam o recanto do senhor. A seu lado, Diogo Lopes Sousa punha-o em dia com o despacho, coisas miúdas e algumas intrigas pequenas. Acabada a celebração religiosa, enquanto se dirigia para a Casa de Justiça da Corte ao encontro do Juiz dos Feitos de el-rei, apoderou-se dele uma vontade muito grande de esclarecer a conversa da noite anterior, indagando Diogo Lopes Sousa sobre o assunto:

Dizei-me, meu fiel amigo, se é rumor ou ouviste falar do testamento que meus irmãos Fernando e Henrique fizeram a favor de meu filho Fernando.

Testamento? Que testamento, senhor7, mostrou-se o escudeiro espantado, sem que o rei tivesse a certeza de que o fazia de boa-fé ou de fingida ignorância.

Senhor, sabeis como vos sou leal e afeiçoado. Sabeis também que não poupo as palavras quando se trata de vos servir, assim como nunca vos negarei o meu conselho e auxílio no dia em que dele precisares e mesmo sem dele careceres. De tal testamento nunca ouvi falar, concluiu o escudeiro.

Já não era só uma grande preocupação que o rei levava para esclarecer com o irmão Henrique, mas duas. Viera a Lisboa para esclarecer e pedir conselho ao irmão sobre a conversa que tivera com o infante Fernando, agora surge-lhe de surpresa a notícia de que os irmãos queriam fazer do filho testamenteiro. As interrogações eram muitas e as respostas nenhumas, por isso, nesse dia, o monarca já não conseguiu concentrar-se no que quer que fosse. Nada mais lhe prendeu o pensamento, e assim pouca atenção deu às coisas e às pessoas.

Se o tempo que fazia lá fora não ajudava Duarte, o tempo que passava preguiçoso na sua imensa lentidão também não, esperando o angustiado rei a hora de se encontrar com o infante Henrique.

Quando o entardecer tomou o passo à claridade, o infante Henrique acabaria por chegar com a sua comitiva, instalando-se uma enorme confusão. Era normal. Homens habituados ao exercício das armas e à matança nas caçadas, não tinham a mesma disposição dos que gastavam a cabeça a pensar em leis ou na forma como haviam de gerir o reino.

Mal Henrique pôs os pés no chão, já o rei se insinuava na sua frente, esperando do irmão a vénia formal, para depois se apertarem num abraço fraterno, mesmo que a um interessasse a folia e o exercício das armas e ao outro a paz dos dias com pão». In Jorge Sousa Correia, O Mistério do Infante Santo, Clube do Autor, 2017, ISBN 978-989-724-407-0.

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