jdact
Requiem
Obra encomendada pela
Fundação Gulbenkian, que foi apresentada em estreia mundial no pp dia 21 de
Novembro 2012 no Grande Auditório.
«Esta obra decorreu de
uma proposta que apresentei ao Serviço de Música da Fundação Calouste
Gulbenkian em 2009, solicitando uma encomenda que me permitisse dar
continuidade à oratória Judas
(secundum Lucam, Joannem, Matthaeum et Marcum), uma encomenda do Festival
de Música Sacra de Viana do Castelo, onde foi estreada em 2002 pelo Coro
e Orquestra Gulbenkian, dirigidos por Fernando Eldoro, que a voltou a apresentar
no Grande Auditório em Maio de 2004.
Estes concertos mantêm-se na
minha memória como inesquecíveis.
O compositor faz o seu
trabalho com o máximo empenho, mas cabe aos cantores e aos músicos dar-lhes realidade, transformar aquele
conjunto de signos escritos na partitura no evento sonoro que é dado à percepção
sensível dos ouvintes. Uma partitura, por si só, nunca é inesquecível. Essa
qualidade só pode ser atribuída a uma obra quando se verificar o momento de mediação, o concerto, efectuado
pela realização dos músicos. Aqueles foram sempre excepcionais. Uma vez
confirmada a encomenda, decidi, mais tarde, que esta nova obra seria um requiem.
Escrever um requiem é, em primeiro
lugar, dar uma “resposta” particular
a uma história de numerosas obras musicais do passado, umas conhecidas de
todos, outras, serão centenas, hoje desconhecidas. Em segundo lugar, é tratar
um texto litúrgico pertencente à nossa tradição ocidental cristã, mas cujo
significado mais profundo remete para aquele momento em que os homens
primitivos começam a dar sepultura aos seus mortos, momento que os arqueólogos
identificam como sendo o início, ainda pré-histórico, do longo percurso do ser
humano a caminho da consciência de si.
Colocadas as questões
nestes termos, isto é, num sentido mais amplo do que a história da música, ou
mesmo da cristandade, a questão central do texto da missa dos mortos, o requiem é uma missa defunctorum é
talvez passível de ser descrita com uma só frase: “Deus, acolhe no teu seio aqueles que morreram”. Não há nada mais
universal para a humanidade do que a sequência inelutável nascimento, vida,
morte. Mas um compositor, uma vez decidido a compor um requiem, tem tarefas menos transcendentes, mas igualmente
necessárias. A primeira é verificar os diversos tipos de seleção do longo texto
que os compositores fizeram no passado relativamente ao estabelecimento do seu
texto particular. Há numerosas variantes entre muitas das obras existentes. Fiz
a minha escolha de acordo com as ressonâncias que as minhas memórias, de vária
natureza, convidaram a selecionar, dentre os vários textos existentes na
liturgia. Depois, durante o acto compositivo, como sempre acontece perante um
texto, certas secções dele adquirem, durante o trabalho da composição,
diferentes graus de importância quer no quadro formal, quer na duração geral.
Se, hoje em dia, já
quase ninguém reclama um plano prévio rígido como sendo indispensável, pelo
contrário, devo sublinhar que aquilo que nunca se pode dispensar é o trabalho
de escolha, de medida, de criticismo, de consideração de alternativas, de nova
escolha, de verificação das proporções internas e da retórica expressiva
finalmente existente, tanto no uso do texto em si, como no discurso musical
resultante. Este é o trabalho do fazer
do objeto artístico. Nele reside o essencial do trabalho do compositor e da
inerente reflexão humana sobre a finitude
que uma obra desta natureza coloca no centro e, como ponto prévio, do
desejo criativo». In FCG, Newsletter, Novembro / Dezembro de
2012, “Requiem”, António Pinho Vargas.
Cortesia da
FCG/JDACT