sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

FCG. “Requiem”. António Pinho Vargas. «O compositor faz o seu trabalho com o máximo empenho, mas cabe aos cantores e aos músicos dar-lhes “realidade”, transformar aquele conjunto de signos escritos na partitura no evento sonoro que é dado à percepção sensível dos ouvintes. Uma partitura, por si só, nunca é inesquecível»

Cortesia de wikipedia e fcg
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Requiem
Obra encomendada pela Fundação Gulbenkian, que foi apresentada em estreia mundial no pp dia 21 de Novembro 2012 no Grande Auditório.

«Esta obra decorreu de uma proposta que apresentei ao Serviço de Música da Fundação Calouste Gulbenkian em 2009, solicitando uma encomenda que me permitisse dar continuidade à oratória Judas (secundum Lucam, Joannem, Matthaeum et Marcum), uma encomenda do Festival de Música Sacra de Viana do Castelo, onde foi estreada em 2002 pelo Coro e Orquestra Gulbenkian, dirigidos por Fernando Eldoro, que a voltou a apresentar no Grande Auditório em Maio de 2004.
Estes concertos mantêm-se na minha memória como inesquecíveis.
O compositor faz o seu trabalho com o máximo empenho, mas cabe aos cantores e aos músicos dar-lhes realidade, transformar aquele conjunto de signos escritos na partitura no evento sonoro que é dado à percepção sensível dos ouvintes. Uma partitura, por si só, nunca é inesquecível. Essa qualidade só pode ser atribuída a uma obra quando se verificar o momento de mediação, o concerto, efectuado pela realização dos músicos. Aqueles foram sempre excepcionais. Uma vez confirmada a encomenda, decidi, mais tarde, que esta nova obra seria um requiem.
Escrever um requiem é, em primeiro lugar, dar uma “resposta” particular a uma história de numerosas obras musicais do passado, umas conhecidas de todos, outras, serão centenas, hoje desconhecidas. Em segundo lugar, é tratar um texto litúrgico pertencente à nossa tradição ocidental cristã, mas cujo significado mais profundo remete para aquele momento em que os homens primitivos começam a dar sepultura aos seus mortos, momento que os arqueólogos identificam como sendo o início, ainda pré-histórico, do longo percurso do ser humano a caminho da consciência de si.
Colocadas as questões nestes termos, isto é, num sentido mais amplo do que a história da música, ou mesmo da cristandade, a questão central do texto da missa dos mortos, o requiem é uma missa defunctorum é talvez passível de ser descrita com uma só frase: “Deus, acolhe no teu seio aqueles que morreram”. Não há nada mais universal para a humanidade do que a sequência inelutável nascimento, vida, morte. Mas um compositor, uma vez decidido a compor um requiem, tem tarefas menos transcendentes, mas igualmente necessárias. A primeira é verificar os diversos tipos de seleção do longo texto que os compositores fizeram no passado relativamente ao estabelecimento do seu texto particular. Há numerosas variantes entre muitas das obras existentes. Fiz a minha escolha de acordo com as ressonâncias que as minhas memórias, de vária natureza, convidaram a selecionar, dentre os vários textos existentes na liturgia. Depois, durante o acto compositivo, como sempre acontece perante um texto, certas secções dele adquirem, durante o trabalho da composição, diferentes graus de importância quer no quadro formal, quer na duração geral.


Se, hoje em dia, já quase ninguém reclama um plano prévio rígido como sendo indispensável, pelo contrário, devo sublinhar que aquilo que nunca se pode dispensar é o trabalho de escolha, de medida, de criticismo, de consideração de alternativas, de nova escolha, de verificação das proporções internas e da retórica expressiva finalmente existente, tanto no uso do texto em si, como no discurso musical resultante. Este é o trabalho do fazer do objeto artístico. Nele reside o essencial do trabalho do compositor e da inerente reflexão humana sobre a finitude que uma obra desta natureza coloca no centro e, como ponto prévio, do desejo criativo». In FCG, Newsletter, Novembro / Dezembro de 2012, “Requiem”, António Pinho Vargas.

Cortesia da FCG/JDACT