quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Herculano e a Geração de 70. João Medina. «É preciso acrescentar que os dois homens se conheciam. Di-lo Teófilo em carta publicada no livro "Mocidade de Teófilo", obra que apresenta a peculiaridade de nela se terem refundido, à guisa das conveniências…»

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Teófilo contesta Herculano
«Raramente um homem terá suscitado tão unânime e severo coro de impropérios, verdadeira cascata de doestos chovendo durante anos a fio sobre o lendário guarda-chuva do professor ‘Teófilo’. Vimos já que Herculano rotulava Teófilo de ratão (sic) - di-lo com secreto júbilo o jovem estudante Junqueiro, em carta de Coimbra ao editor Chardron, no ano de 1870.Ilgnoramos a exacta razão de semelhante veredicto; mas, nessa altura, Teófilo era já um literato relativamente conhecido, tendo ganho fumaças de celebridade por via da famigerada Questão Coimbrã; além da Visão dos Tempos, de Tempestades Sonoras e de A Ondina do Lago, o açoriano já botara certa presença de assinalar nos arraiais literários, publicando um ou outro livreco, como a História da Poesia Popular ou o Cancioneiro Popular,  sem contar com os estudos ligados ao seu doutoramento em Coimbra, as Teses sobre diversos ramos de direito, as quais na Universidade de Coimbra em 1868 defenderá Joaquim Teófilo Braga, mais a História do Direito Português e Os Forais.
No ano anterior, em 1869, tinham saído os livros Torrentes e a História da Poesia Moderna em Portugal, sendo de 1870 os livros História da Literatura Portuguesa, a História do Teatro Português e ainda outras obras eruditas. Herculano estava, pois, habilitado a :pronunciar-se já sobre o valor deste confrade de 26 anos, quando confessava a Junqueiro que achava mestre Teófilo um ratão. É preciso acrescentar que os dois homens se conheciam. Di-lo Teófilo em carta publicada no livro Mocidade de Teófilo, obra que apresenta a peculiaridade de nela se terem refundido, à guisa das conveniências, o mais a posteriori e post mortem possível, as cartas escritas várias décadas antes: com espantoso à vontade e perfeito sentido de falsificação anacrónica, Teófilo não hesitou em amanhar as cartas que tinha ido compondo ao longo da sua vida, sendo, pois, de tomar com o mais decidido cepticismo o teor de semelhantes missivas alindadas ao bel-prazer do célebre polígrafo. Numa dessas cartas, incluídas no referido volume, conta Teófilo como conheceu Herculano no Grémio Literário, no Natal de 1864:
  • ‘Estava rodeado de admiradores estáticos e ele falando com monossílabos e tons proféticos. Não lhe falei, nem ele me dirigiu a palavra, mas dias depois do 1º de Janeiro deu-se um caso, em que nos encontrámos frente a frente. Descia a Calçada do Combro um regimento com a charanga à frente e adiante bandos de rapazio. Recolhi-me a um portal de uma escada pegada ao palácio do conde de Cabral; eis que de repente Herculano se refugia aí também, e enquanto a música e tropa passava com o povoléu para a abertura solene das Câmaras, conversámos nesses rápidos momentos acerca das novas ideias sobre a arte gótica e as descobertas arqueológicas designadas como Arte Francígena. (carta de 16 de Janeiro de 1865)’.
Apócrifa ou não, ajeitada a posteriori por Teófilo ou não, o facto é que desta carta resulta que os dois homens se conheciam pessoalmente. Uma carta de Herculano a Oliveira Martins, agradecendo o envio do opúsculo deste último acerca de Teófilo Braga e O Cancioneiro e o Romanceiro Português, confirma-o, uma vez que nela se vê o autor dos Solemnia Verba pronunciar-se sobre o açoriano:
  • ‘Teófilo Braga é uma inteligência completa e uma grande vocação literária, mas uma fraca vontade: gosta de fazer ruído: deseja adquirir reputação; não possui, porém, o querer robusto que vai até ao sacrifício, que vai até ao martírio, e que é preciso para se tornar um homem verdadeiramente superior[…]»
In João Medina, Herculano e a Geração de 70, Edições Terra Livre, Lisboa, ano IV da Liberdade, 1977.


continua
Cortesia de Terra Livre/JDACT