segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Romance Histórico no Romantismo Português. Castelo Branco Chaves. «… alargada para além do essencial, julgamos ser suficiente para dar o ambiente de audiência ao género de ficção literária que com o Monge de Cister vai aparecer em Portugal, com um êxito até aí desconhecido em aceitação de obras literárias originais»


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«Nas revistas e jornais literários de então, eram frequentes os artigos sobre o romancista escocês e as dissertações acerca do género por ele criado. Em notícia crítica das duas traduções de Quintino Durward aparecidas em 1839, lê-se no volume do Panorama desse ano:
  • Parece a muitos que a tradução de uma novela é a coisa menos importante e talvez a mais escusada do mundo, em tese poderá ser isto verdade, em hipótese nem sempre. Pegar ao acaso em uma dessas mil novelas que os franceses atiram à imprensa anualmente, como mercadoria para o comércio, e traduzi-la em português choco e bastardo, entra na tese; mas trasladar uma novela, como algumas de Walter Scott, onde às vezes se aprende mais história que nos livros dos historiadores, porque estes narram sucessos, e aqueles juntam época e gerações, e trasladá-la em português corrente e limpo, longe de ser coisa inútil, é um bom serviço que se faz à literatura portuguesa. São as novelas os livros que por maior número de mãos correm, e, quando instrutivas e vertidas em boa linguagem, podem, por isso mesmo, fazer grande benefício, não só instruindo e deleitando, mas habituando o vulgo dos leitores a pouco e pouco se aborrecerem dos desconcertos, barbarismos e neologismos escusados, de que anda inçada essa linguagem de novelas e conversações, a que chamam, cremos que por escârneo, língua portuguesa. Nesta hipótese entra, em nosso entender, a tradução de Quintino, feita pelo Ramalho. Todas as pessoas que têm lido no original as obras de Walter Scott, sabem quão grande dificuldade achava quem quiser traduzir com primor qualquer das suas novelas, e poemas. Essa dificuldade venceu-a o Ramalho excelentemente, dando-nos a sua tradução, com toda a energia, natureza e verdade, as galas nativas com que o escritor escocês adornou o seu Quintino. Infelizmente, não podemos dizer o mesmo da versão feita em Paris: o Moura, posto que mais aprimorasse esta obra do que a tradução de Ivanhoe, ainda está longe de merecer os elogios que de bom grado lhe daríamos, se nossa consciência nos não obrigasse a ser justos. Serviu-se, segundo nos parece, da versão francesa de Defauconpret, que por certo não é a mais fiel. Foi por isto, talvez, que a sua tradução tem o gravíssimo defeito de estar incompleta, faltando-lhe a conclusão da obra, que o autor escreveu muito depois de ter publicado o seu livro, e que se acha nas edições inglesas mais modernas, bem como na versão francesa de Montemont que, a não traduzir do original, o Moura devia antes ter seguido»
E, no Panorama, Herculano não só preparava o público para o novo género de novela como também acumulava informações eruditas para ilustração dos futuros novelistas, seja sobre a arquitectura gótica, situação das diversas classes sociais na Idade-Média, antigos foros e costumes, milícia, monumentos, cronistas portugueses, etc., etc..
Em 1837, O Panorama publicou, sem nome de autor, uma narrativa intitulada Quadros de História Portuguesa - Morte do Conde Andeiro e do Bispo de Lisboa - 1383. É apenas um esboço daquela narrativa que, mais tarde, Herculano intitulou Arrhas por foro de Espanha. Em 1838 o mesmo jornal literário publicou uma outra narrativa: O Castelo de Faria e pouco depois O Mestre Assassinado, Crónica dos Templários - 1320, ambas anónimas. Nesta última pretendeu o autor, sugestionado pelo Ivanhoe,pintar um quadro das violências dos Templários. Tentativa tosca.
Seguiu-se, na série, Mestre Gil, também sem nome a autorizá-lo, mas que Herculano confessou pertencer-lhe. Nesta Crónica do Século 15.º transparece a imitação do Quintino Durward de Scott, cujo tempo histórico, como é sabido, é o da luta entre Luís XI e o duque de Borgonha. No trabalho de Herculano o fundo histórico é o da luta de João II com os duques de Viseu e de Bragança. Aí, já o diálogo tem vivacidade e os personagens, embora pouco individuados, são recortados com certo jeito pitoresco. Além disto, a narrativa aparece já com alguns laivos da cor local requerida em tal género de escritos. Mestre Gil é quase um sósia do barbeiro de Luís XI, e o nosso João II não deixa de lembrar o rei francês tal como Scott o pintou no seu romance. É também deste mesmo ano A Abóbada, já autorizada com o nome de Herculano, onde os progressos técnicos, linguísticos e cor histórica revelam o nosso primeiro romancista histórico.
Em 1839, Herculano publica no Panorama a narrativa O Cronista - Viver e Crer de outros tempos. A acção passa-se no reinado de João III, quando começaram a correr as notícias da chegada da bula papal que concede ao rei a autorização para o estabelecimento do tribunal da fé em Portugal. Ao compilar as Lendas e Narrativas enjeitou Herculano esta narrativa que lhe saíra da pena inferior à Abóbada e à Morte do Lidador. Também Cunha Rivara tentou por esta altura (1840), nas colunas do Panorama, cultivar o género; Um Feiticeiro (Crónica da Inquisição), é uma narrativa dialogada em que se descrevem os trabalhos por que passou Luís de la Penha, mágico e feiticeiro, a contas com a Inquisição (maldita) até à realização do auto de fé em que figurou na cidade de Évora. Esta fastidiosa enumeração, que podia ser bastante alargada para além do essencial, julgamos ser suficiente para dar o ambiente de audiência ao género de ficção literária que com o Monge de Cister vai aparecer em Portugal, com um êxito até aí desconhecido em aceitação de obras literárias originais». In Castelo Branco Chaves, O Romance Histórico no Romantismo Português, Instituto de Cultura Português, Centro Virtual Camões, Instituto Camões, oficinas Gráficas da Livraria Bertrand, 1980.

Cortesia do Instituto Camões/JDACT