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«A primeira saudade, para usar a expressão de Pascoaes, aparece assim ligada a uma idade, a dos dezassete anos,
época adolescente que ele diz turbulenta, e relacionada ainda com uma mudança geográfica
de espaço, associada à queda pessoal, em que se troca a aldeia longínqua de São
João de Gatão onde viveu a infância pela cidade de Coimbra para onde vai
adolescente estudar quase sem gosto leis. Retenhamos que a saudade, essa
primeira saudade a que se refere o autor, só acontece quando se muda ou quando
se erra,
no sentido de quem se extravia ou de quem vagueia, e que a
passagem errante ou extraviada dum primeiro e único espaço que se conhece
e com todos os seus entes naturais ou não, para um segundo espaço diferente e
desenraizado do primeiro leva em par à memorização desse primeiro espaço, e à
sua idealização como espaço eterno, perfeito e central, onde tem lugar uma
idade de ouro, associada em Pascoaes
a um não-tempo que é tempo eterno e imóvel, infância onde nada se conta ou
se mede.
Em Pascoaes não é a mudança
que é produzida pelo tempo, é o tempo que é gerado pela mudança; o tempo
só existe na sua poesia porque existe o movimento, que é a
transformação do que não é nem tem consciência de ser no que existe e tem
consciência disso.
De sorte, em Pascoaes as
coisas e as pessoas tanto podem existir fora ou dentro do tempo, conforme são
apenas subjectividade latente como na infância ou pura objectivação concreta,
existência lançada no mundo, como na idade adulta que se segue aos dezassete
anos.
A época tumultuosa da adolescência, onde se dão as convulsões do espaço
primeiro e perfeito, espaço que é arrancado ao seu esquecimento para
ser memorizado, idealizado e desejado, é ao nível do tempo aquele em que o
poeta diz deixar a infância a que ele chama de áureo ciclo, porque nada
está ainda degradado ou diminuído.
Infância, quando o mundo é idílica planície,
e o nosso olhar, tão leve, paira à superfície
das cousos, que ainda sã
verdade, clara luz, revelação.
(Versos Pobres, OCTP)
O fim da infância, idade em que as coisas são verdade e clara
luz, dá-se com a saída da aldeia de Amarante e a perda dessa realidade
ainda sem tempo, realidade que assim ganha à medida que o sujeito se desloca
em direcção a Coimbra o valor dum absoluto.
A saudade aparece no
movimento, na passagem da solidão da aldeia para o tumulto da cídade, como
memória duma região perdida, que é dolorosamente lembrada e até pela primeira
vez consciencializada nos seus contornos ideais e supra-temporais, o que leva o
sujeito a desejar rever ou revisitar o que está perdido mas não esquecido, para
lhe tributar um reconhecimento que antes da separação não era possível, devido
a involuntário desconhecimento.
A consciência saudosa inicial, dilacerada entre a dolorosa lembrança da
Inocência
perdida e o desejo da revisitar (verbo
que lembra ressuscitar), encontra-se textualmente realizada nas duas
primeiras grandes colectâneas líricas de Pascoaes,
publicadas ainda em Coimbra, sob o choque da separação, e que Leonardo Coimbra disse, no
posfácio que escreveu mais tarde para a segunda edição de Regresso ao Paraíso, denunciarem
um
poder de visualização evocadora do ausente que ficará para sempre a marcar a
íntima fisionomia da sua obra, deixando bem clara a importância
fundamental destas duas colectâneas na obra do Poeta, toda ela radicada nesse
primeiro impulso sensível e nessa primeira experiência verbal do mundo». In
António Cândido Franco, Transformações da Saudade em Teixeira de Pascoaes,
Edições do Tâmega, Amarante, 1994, ISBN 972-9470-12-X.
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