(continuação)
«No final do século VI, o rei Suevo, o visigótico e suas
elites converteram-se ao catolicismo romano. Na origem destas conversões devem
estar factores políticos, ou seja, o
clero católico era mais organizado, tinha bibliotecas, sabia latim, etc.
Todavia, da mesma maneira que muitos hispano-romanos continuaram católicos
apesar da invasão dos povos bárbaros, que se converteram ao arianismo,
também a adopção do catolicismo por parte das elites suevas e visigóticas
não significa, de nenhuma forma, que o povo seguisse o mesmo caminho, pelo menos
de coração. As crenças religiosas não se mudam por decreto. E é um facto que,
no tempo da reconquista cristã, os abades de Cluny, que vieram para a
península, tiveram como uma das missões acabar com as crenças heréticas dos
moçárabes. Pelo menos no Ocidente peninsular, não conseguiram ter um êxito
completo nesse objectivo.
Antes disso, em 711, deu-se a invasão muçulmana. O exército
de 18.000 berberes, comandado por Tarik, entrava na Península. A
expansão do mundo islâmico foi uma bênção para todos os cristãos que eram perseguidos
pelo catolicismo, desde a Ásia Menor, passando por todo o Norte de África até à
Península Ibérica. Os judeus peninsulares, que começam a ser ferozmente
perseguidos a partir dos inícios do século VI por instigação do clero católico,
também beneficiaram da invasão muçulmana. Infelizmente, só recentemente se tem
começado a dar maior visibilidade histórica aos quatro, cinco séculos de dominação
mourisca no território português. Como sabemos, a sua influência deixou marcas de
maior relevo no sul do país. O seu nível cultural , civilizacional e
tecnológico era muito superior ao do reino visigótico peninsular. No geral, não
perseguiam os cristãos nem os judeus. Os capitães eram maometanos e, na época,
muitos seguiam os preceitos corânicos:
- não façais violência aos homens por causa da fé;
- não discuteis com os judeus e cristãos se não em termos amigáveis e moderados.
Aliás, era-lhes favorável a existência de moçárabes
(cristãos sob domínio islâmico) e judeus, dado que estes pagavam mais tributos
ao governo. Desenvolveram uma civilização notável para a época, como ainda
hoje o demonstram os seus monumentos em Córdova e Granada (Alhambra).
Construíram ricas bibliotecas e desenvolveram centros de cultura, tendo demonstrado
uma especial atracção pelo oculto. Os mouros eram profundamente versados em
ciências ocultas e, em Toledo, Sevilha e Salamanca estiveram, numa certa época,
as grandes escolas de magia [a magna
ciência dos mistérios]. Os cabalistas desta última cidade eram hábeis
em todas as ciências abstrusas, esotéricas; conheciam as virtudes das pedras
preciosas e de outros minerais e extraíram da Alquimia os seus mais profundos
segredos. Existiam também muitos mestres sufis. Estes, de certa forma, eram os gnósticos do islão pois conheciam em profundidade o esoterismo
maometano e praticavam técnicas que levavam ao êxtase ou, como diria hoje a moderna
psicologia, a estados modificados de consciência. Aderiu ao sufismo uma elite
numerosa de homens inteligentes. Estes, tal como os Templários, eram profundamente
tolerantes para com todas as formas exotéricas de religião. O sufi
Muhyi'd-Din ibn'Arabi (século XIII) afirmou:
- "O meu coração abriu-se a todas as formas: é uma pastagem para as gazelas, um claustro para monges cristãos, um templo de ídolos, a Caaba do peregrino, as tábuas da Tora e o livro do Corão. Pratico a religião do Amor; qualquer que seja a direcção em que as cabanas avançarem, a religião do Amor será sempre a minha religião e a minha fé."
Segundo o cronista da saga do rei Sigur, Lisboa tinha, no início do século XII, 200.000 habitantes, metade
deles cristãos! Embora se deva aceitar este número com alguma reserva, Lisboa
deveria ter uma magnitude espantos a para a época. Nenhuma cidade do condado
portucalense deveria ter mais de 10% da população citada. Estima-se que Portucale
(Porto) tivesse 3.000 habitantes. Através deste cronista, ficamos igualmente a
conhecer a expressão da população moçárabe; 50% em Lisboa. Jaime Cortesão não hesita em afirmar
que o
moçárabe foi uma das traves mestras da nacionalidade e vê nele um antecedente
importante da vocação marítima dos portugueses:
- "O mocárabe foi um cristão e um românico, que produziu, se deslocou, vestiu, divertiu e, enfim, viveu à maneira dos árabes, mas conservou intacto o cerne e a essência do carácter. Feitas estas reservas, bem se pode afirmar que o moçarabismo representa uma fusão de culturas, sem abdicação do que há de medular na personalidade de origem (...) O rápido despertar do povo português para o seu género de vida típico, o comércio marítimo à distância, só pode explicar-se pela sua longa aprendizagem na escola árabe. O tráfico à distância, por terra e mar; foi de longa data o género de vida típico dos árabes. Vivendo em íntimo contacto com estes ou com berberes arabizados, os moçárabes partilham, em proporções peninsulares, daquela formação vital.”
In Paulo Alexandre Loução, Os Templários na Formação de Portugal,
Edições Esquilo, 9ª edição 2004, ISBN 972-97760-8-3.
continua
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