domingo, 23 de dezembro de 2012

A Alma Secreta de Portugal. A Reabilitação Científica do Esoterismo. «Uma tolerância activa não é uma tolerância passiva. É necessário abrir-se ao desconhecido. O desconhecido é o outro. E isso é o que nos assusta; “o outro”. Por isso é que há fenómenos de racismo, porque o outro é misterioso, estranho, diferente»


Painel que se encontra por cima do altar da Capela Templária da Quinta da Regaleira. 
É uma imagem muito peculiar e de grande beleza. Sob a égide do Espírito Santo, 
Cristo Ressuscitado, o iniciador coroa Maria. 
Maria com os seus braços cruzados simboliza a alma harmonizada pronta a receber a luz do Eu-espiritual.
jdact e cortesia de wikipedia

(continuação)

Entrevista com José Manuel Anes
O Mundo Imaginal e a Catástrofe Metafísica do Ocidente

Paulo: Depois de todos estes estudos relacionados com a antropologia da religião e o pensamento simbólico, não haveria a possibilidade, digamos, de efectuar uma síntese com o escopo de os divurgar não só no ensino universitário, como já acontece, mas também no ensino secundário? O obiectivo seria que um aluno do ensino secundário soubesse o que era o Rito, o que ere o Mito, em que consiste a linguagem dos símbolos, qual o conceito de sagrado como elemento estruturante da consciência humana. Qual é o seu ponto de vista sobre esta proposta?
José: Eu penso que sim. E, digamos, não apenas a antropologia da religião e do simbólico mas, mais geral, a antropologia cultural. Penso que a antropologia cultural moderna poderia proporcionar uma grande educação cívica aos nossos jovens, isto é, substituir deste modo aquelas disciplinas que no nosso tempo se chamavam, por exemplo, religião e moral, abrindo espaço e respeitando o espaço daqueles que quiserem uma formação moral e religiosa. Eu penso que o Estado deveria fornecer um tipo de formação cívica com base numa antropologia esclarecida. Abertura ao outro lado da antropologia, ao estudo do outro. E, para estudar o outro, temos que nos abrir ao outro, não com arrogância, não com etnocentrismo, mas com compreensão, com aquilo que muitos não gostam que se chame assim, mas que é a tolerância. Uma tolerância activa não é uma tolerância passiva. É necessário abrir-se ao desconhecido. O desconhecido é o outro. E isso é o que nos assusta: o outro. Por isso é que há fenómenos de racismo, porque o outro é misterioso, estranho, diferente. Mas temos de compreender o que é diferente. A antropologia tinha um papel muito importante. Lamento que ela tenha sido escorraçada também dos currículos do secundário.
Paulo: Os jovens hoje em dia têm uma carga horária brutal, ocupada, na sua maioria, por disciplinas de ordem teórico-racional, o que para os mais sensíveis tem um impacto muito negativo. Deveria haver disciplinas que estimulassem a imaginação criadora e o pensamento simbólico. Neste caso a antropologia pode vir a ter uma função importante.
José: Exactamente. Creio até que uma antropologia bem leccionada, e também é possível ministrar uma antropologia expressiva, actualizada e aberta, sem deixar de ser científica, podia realmente preparar-nos para sermos mais tolerantes, mais fraternos com os outros e também abertos a outras dimensões do espírito humano que não fosse apenas a dimensão racional.

O Cristianismo Esotérico e a Dimensão Divina do Homem
"Não sabeis que sois o templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós? In São Paulo

Paulo: Outra área que também tem merecido a atenção do mundo académico, nomeadamente no seguimento das descobertas dos Manuscritos do Mar Morto e da Biblioteca de Nag Hammadi, é o estudo histórico, e até hermenêutico, neste caso, dou como exemplo a professora Elaine Pagels, das origens do cristianismo. Qual é o seu olhar sobre o período inicial da religião cristã?
José: No começo do cristianismo, durante os três primeiros séculos, havia várias correntes, várias interpretações, não havia norma. A primeira corrente que surge é, a Igreja de Jerusalém, que nunca aceita a divindade de Cristo, a Igreja de Tiago. O grande construtor dessa dimensão divina de Cristo é São Paulo. Não vamos dizer que ela não existisse já, ela existe ab initio, mas é realmente São Paulo que dá essa dimensão divina a Cristo.
Paulo: Mas em São Paulo, segundo muitos hermeneutas, o seu Cristo é um Cristo interno, que deve ser despertado no interior do ser humano. S. Paulo, com todo o seu esoterismo cristão, parece professar aquilo a que Gilbert Durand chamou o monoteísmo do eu. No fundo é aquele conceito de Atma do Oriente, a Célula de Deus no homem, conforme a expressão utilizada por António Cândido Franco. Conceito, segundo o qual, só através da alma espiritual o homem chega ao Pai.
José: Jean-Pierre Laurant, num livro recente, propõe que, em vez de doutrina interna ou oculta, o esoterismo é a doutrina da constituição oculta divina do homem.
Paulo: Que interessante.

In Paulo Loução, A Alma Secreta de Portugal, Ésquilo Edições & Multimédia, 2004, ISBN 972-8605-15-3.

continua
Cortesia de Ésquilo/JDACT