A descoberta do mundo pelos Ibéricos
«Em 1524 foi organizada uma conferência com o objectivo de decidir a
posse das Molucas, reclamada pelos Portugueses e Espanhóis; a reunião, cujas
sessões decorriam na fronteira dos dois reinos, terminou após três meses de vãs
discussões. Os Portugueses tinham razão, mas não o podiam provar; o rei João
III acabou por comprar ao seu vizinho Carlos V os direitos sobre um arquipélago
que já lhe pertencia em consequência do Tratado de Tordesilhas; mas nem
assim a questão ficou resolvida e as ilhas Molucas continuaram a ser um
grave ponto de discórdia entre os dois reinos durante muitos anos.
Voltemos, porém, ao descobrimento da América. Os Espanhóis avançavam na
exploração do continente a partir de lugares que tinham visitado nas primeiras
viagens realizadas. Estavam também interessados nos descobrimentos marítimos
e, por volta de 1540, subiram a costa oriental do continente americano até
42º de latitude norte; devemos, no entanto, salientar que o capitão desta
expedição era português. Este facto leva-nos a fazer uma observação.
De uma forma geral, podemos, com efeito, afirmar que o descobrimento do
mundo realizado por Portugueses e Espanhóis se processou através de dois caminhos
divergentes. Os Espanhóis baseavam-se principalmente na ocupação de terras e na
sua conquista, na tentativa de alcançar as fontes produtoras da prata e do ouro.
Os Portugueses, por seu lado, limitavam-se a ocuparas ilhas que permaneciam
desertas, conheço apenas uma excepção a esta regra a ilha de Fernão do Pó, ou
pequenas extensões de terra, com o objectivo de estabelecerem feitorias
acompanhadas, na maior parte dos casos, pela construção de uma fortaleza.
Houve sem dúvida uma importante excepção: o Brasil. Mas não nos
devemos esquecer de que, até 1540, apenas a sua linha costeira era conhecida; a
viagem de 1530-33, realizada por Martim Afonso Sousa prova-o de uma forma bem
evidente; ocupavam-se pontos situados perto da costa e explorava-se apenas a
madeira existente nos arredores dos pontos ocupados. Penso que terá sido o
recuo dos índios Tupis, ao contacto com os Portugueses, que encorajou estes a
penetrarem no vasto continente e a tornarem-se agricultores, com o auxílio dos
Africanos; a política de divisão deste território imenso foi, sem dúvida, um
dos factores mais importantes para garantir o sucesso da ocupação. Este sistema
ameaçou dividir o Brasil em pequenos países e, de certo modo, fê-lo; mas a
Coroa defendeu contudo a unidade de todo o território, e para este facto
contribuíram talvez os homens e as mulheres vindos de África, concentrados, na
sua maioria, nas regiões do Nordeste, mas dispersos um pouco por todo o país.
Em África e no Oriente, o esquema adoptado foi o que já indicámos. No
que respeita ao Oriente, podemos afirmar que os Portugueses sonharam dominar o
comércio estabelecido desde há muito no oceano Índico. No meu entender, porém,
nunca foi definida uma política rígida com vista a obter esse importante resultado.
Francisco de Almeida, por exemplo, defendia que era necessário manter uma
grande frota no mar destinada a fiscalizar o comércio local. Apesar das
fortalezas que tinha mandado erguer (e
que foram por vezes abandonadas pouco depois, como no caso do Socotorá),
insistia sobretudo no valor de uma força colocada no mar como garantia de um
monopólio comercial. Devemos notar que Lázaro
Nuremberga reconheceu, numa carta escrita da Índia em 1517, que esta
política era talvez a que melhor se adaptava aos planos portugueses, apesar de
salientar que a marinha de que dispunha na Índia estava bastante mal provida. A
supremacia da marinha constituiu igualmente um ponto importante para João de
Castro, quando da sua primeira estada no Oriente (1538-41).
A política do poder marítimo tinha, todavia, cambiantes e podia, mesmo,
ser substituída por outras políticas. O aspecto mais notável inscreve-se nos
planos de Albuquerque, geralmente considerado o grande arquitecto do Império Português
no Oriente, postulado que não tem a minha total adesão; exporei mais tarde as
minhas razões, mas por agora irei definir os traços fundamentais desse plano:
baseava-se na ocupação dos pontos-chave do comércio indiano, ou seja Goa (no lugar de Calecut, que resistia ainda à ocupação
portuguesa), Ormuz, Adém e Malaca. Albuquerque conseguiu ocupar Ormuz e
Malaca (1514 e 1511), mas fracassou em Adém, apesar da tentativa de ocupação realizada,
e esqueceu-se de que Diu era um
ponto estratégico para subalternizar o próspero comércio guzarate. Por
outro lado, esqueceu-se também de que existia um comércio bastante significativo
nos portos de Bengala, com os pequenos reinos da Birmânia e de toda a costa
para sul, até Malaca». In Luís Albuquerque, As Navegações e a sua
Projecção na Ciência e na Cultura, Gradiva, Colecção Construir o Passado, 1987.
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