As Doutrinas Filosóficas de
Antero
Tendências gerais da Filosofia na segunda metade do século XIX
«Mas o século XVIII não deu somente esta fecunda noção de
desenvolvimento, foi também o grande século em que pela voz de Kant o
pensamento se interrogou sobre a legitimidade e valor de seus direitos. Força?
Leis?
Mas tudo isso são conhecimentos. O que é, pois, o conhecimento?
Kant responde:
- quer ele o saiba ou não, que o espírito é o verdadeiro noumenon, a ser tipo, medida de todos os seres, revelação da sua mais íntima natureza.
O Universo, no kantismo, reflui todo para a consciência e
some-se nela, mas para de lá sair transfigurado, análogo ao espírito ou
idêntico com o espírito. O subjectivismo de Kant ou é nada ou o reconhecimento
da identidade do ser e do saber. Assim, a verdadeira significação histórica do kantismo
é aquilo que legitimamente saiu dele, o realismo transcendental de Schelling e Hegel.
A nova filosofia fundada sobre a identidade do ser e do saber
leva as ideias fundamentais do espírito moderno, a ideias de força,
de imanência
e de desenvolvimento
até ao máximo grau de condensação. Com Schelling
e Hegel a filosofia da natureza compenetra-se dos seus verdadeiros
princípios metafísicos: o mecanismo dissolve-se no dinamismo, cujo
último tipo é o espírito.
Mas em Hegel morre o último sistema dogmático. O pensamento moderno é
inimigo das monstruosas deduções abstractas, quer, em linha sinuosa, Contactar
o complexo das realidades. Quer que a sua filosofia tenha alguma coisa de
espontâneo e orgânico como a mesma natureza que a inspira. Ao apriorismo
da filosofia transcendental opunham as ciências os seus métodos de paciente
observação e indução cautelosa. O dogmatismo filosófico era efectivamente
arrogância excessiva era pior, era um profundo erro. As relações entre a ciência e a
filosofia são de irmandade e nunca de servidão.
A filosofia limita-se aos primeiros princípios das coisas e à
análise das ideias fundamentais: o grande e variado mundo dos factos pertence
inteiro à observação, à experiência e à indução. A hipótese vinda da
especulação não se impõe à ciência, alumia.
A hipótese é pois simplesmente o ponto de contacto e de intersecção da
filosofia com a ciência. Pode a filosofia apropriar para matéria de suas
especulações as ideias fundamentais das ciências; umas o desenvolvimento real
dessas ideias no mundo dos fenómenos só a ciência o pode seguir e determinar
metodicamente, porque só ela tem instrumentos e autoridade para isso. Depois o
momento histórico era o menos propício a dogmatismos e apriorismos.
As ciências entravam, com efeito, numa florescência magnífica; enquanto as ciências físico-químicas iam no entusiasmo duma grande síntese monista, as outras ciências, do homem e da sociedade à terra e ao céu, embebiam-se na fecunda ideia de evolução, que vai penetrar as ciências biológicas e renovar-lhes completamente o espírito e os métodos. A própria história, que a Razão hegeliana desenvolvia como momentos dialécticos da sua evolução, protesta contra o pobre esquematismo de tais deduções e mostra o irredutível do seu contingencialismo. Ao protesto das ciências junta-se o protesto da consciência moral, em sérios riscos da asfixia nesse Universo, onde a liberdade moral não encontraria espaço para insinuar o seu mérito. É a psicologia escocesa, é o espiritualismo à Cousin.
De nímio ou nulo valor científico valem, no entanto, como protestos do
senso comum e da consciência moral contra os exageros dum dogmatismo
impassível. A verdade é que no fundo desta questão de filósofos, estava uma
questão humana, da larga e fundamental importância humana». In
Leonardo Coimbra, O Pensamento Filosófico de Antero de Quental, Guimarães
Editores, Lisboa, 1991, ISBN 972-665-372-X.
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