(continuação)
«Afonso Henriques, anos depois da conquista de Lisboa aos mouros
(1147), num claro gesto de cumplicidade para com a espiritualidade moçárabe do
território português, manda trazeras relíquias de S. Vicente da zona de
Sagres para a futura capital. Esta iniciativa deu origem à Igreja de S. Vicente, que logo se tornou um importante
centro religioso. Hoje, por dentro da actual Igreja de S. Vicente de Fora, em Lisboa, pode-se ver as ruínas do templo primitivo.
Segundo a tradição, o mestre do Templo, Gualdim Pais, pôde testemunhar as
propriedades terapêuticas das relíquias do santo quando chegaram a Lisboa.
Conta a lenda que as relíquias vieram do Cabo de S. Vicente numa barca
acompanhadas por dois corvos. Ainda hoje esta barca e os dois corvos, de clara
simbologia hermética, são o motivo
central do brasão da cidade de Lisboa. S. Vicente tornou-se desde então o
protector da navegação e o seu culto foi muito importante durante o período
dos Descobrimentos, mas antes da nacionalidade era bastante cultuado por moçárabes
e até por mouros. Voltando à lenda, em 779 d. C. os restos mortais deste mártir
terão vindo de Saragoça para o Promontório Sagrado (Sagres) e foram depositados
na Igreja do Corvo.
- "O árabe Edrisi elogia a cordura e os recursos dos guardiões do sítio a que iam muitos peregrinos, tanto cristãos como moiros. Dizia-se que corvos sem idade, lá sustentados em respeito de terem acompanhado e defendido da rapina o corpo do santo diácono, avisavam com tantos gritos quantos os romeiros chegados, o pessoal da Hospedaria. O Santuário atraiu naturalmente um mosteiro."
Após a invasão de Tarik (711), praticamente toda a
Península fica sob o domínio dos mouros. Na zona montanhosa das Astúrias, no
centro-norte, refugiam-se muitos cristãos que aí criam um centro de
resistência. Sob o comando de Pelágio,
aparentado com o último dos visigodos, começam a conquistar algum território
e fundam o reino das Astúrias (737), mais tarde reino de Leão.
Depois surgiriam os reinos de Castela, Navarra e Aragão, que foram
conquistando território ao domínio islâmico.
Numa Europa feudal, fechada, inculta, adormecida e vitimada por
guerras que se desencadeavam por tudo e por nada, surgem as Cruzadas e as
grandes peregrinações no final do séc. XI. A denominada reconquista cristã na
Península Ibérica beneficiou deste espírito de cruzada. Entretanto, em 910, o
duque Guilherme da Aquitânia (França) funda a Abadia de Cluny, que daria origem à ordem religiosa mais importante
do século XI. É uma renovação da Ordem de S. Bento, que tinha decaído,
afrouxando muito a sua disciplina. Os abades
de Cluny vestiam um hábito negro e, no século XI, estavam estabelecidos na
Península, sendo um importante suporte cultural e religioso para estes reinos.
Santo Hugo de Cluny, homem muito poderoso na época, vem ao reino de Leão
e Castela encontrar-se com Afonso VI, que se autoproclamava imperador. Hugo
de Cluny era da Borgonha e deve ter combinado com Afonso VI o casamento
da sua filha D. Urraca com Raimundo, parente borgonhês do
abade. Foram muitos os cavaleiros borgonheses que vieram para a Península, no
sentido de colaborar no esforço de reconquista cristã com um espírito de
cruzada. Um deles, como sabemos, foi Henrique, futuro conde portucalense.
Enquanto Raimundo veio para casar com a filha de Afonso VI, o conde Henrique,
seu primo, deslocou-se à Península para o ajudar nas lides contra os mouros,
nas quais se mostrou um valoroso chefe militar. Provavelmente, devido a este
facto e à sua alta nobreza, Afonso VI confia-lhe o condado portucalense, que reunia
o próprio condado de Portucale, área entre sul do Douro e Braga, e o condado de
Coimbra, área de Coimbra e Santarém e, para o interior, a Serra da Estrela. O
conde borgonhês governou durante quinze anos (1097-1112) com seriedade e sageza
política. Para além de bom militar, foi um bom administrador do território,
estimulando centros de actividade comercial já existentes, como Portucale
(Porto) e Guimarães. Atribuiu várias cartas de foral e de couto.
Assegurou-se da colaboração e lealdade dos fidalgos portucalenses, fazendo com
que a sua origem estrangeira não fosse uma barreira. Travou amizade com o
poderoso Soeiro Mendes da Maia, representava as forças da terra, que, em
vez de rival, se tornou o seu braço direito. Por tudo isso, ajusta-se bem a sua
fama de patriarca de Portugal.
Portugal teve na sua origem uma forte relação com Borgonha,
motivo suficiente para conhecermos as origens dos Borgonheses. Os
burgundii-burgundiones-burgundos-burguinhões, ou borgonheses são um povo
germânico oriundo da costa do báltico. Pouco se diferenciavam dos suevos,
godos e vândalos com os quais coabitaram em espaço germânico de III a. C. a
IV d. C. No século V migraram para junto do Reno. Foram expulsos pelos Hunos, radicando-se no Sul de França. Em
guerras constantes com os francos,
mantiveram a sua identidade. A Borgonha, na época da origem de Portugal, era um
reino independente que não pertencia ao reino de França. Só no século XVII a
França incorpora definitivamente a Borgonha. Antes, tanto estivera ligada ao
império alemão como ao reino de França. Consideramos interessante a sua
identidade germânica, com origens semelhantes às dos Suevos que reinaram durante
dois séculos no espaço que, mais tarde, foi o do condado portucalense, donde
emergiu o reino independente de Portugal». In Paulo Alexandre Loução, Os Templários na
Formação de Portugal, Edições Esquilo, 9ª edição 2004, ISBN 972-97760-8-3.
continua
Cortesia de Esquilo/JDACT