sexta-feira, 3 de maio de 2013

Os desenhos da “Passarola” do padre Voador. Rómulo de Carvalho. « A fantasiosa estampa foi imaginada pelo próprio Bartolomeu de Gusmão que desse modo infeliz se quis divertir com a ansiosa expectativa dos lisboetas nas vésperas das anunciadas experiências»

Gravura austríaca de 1709
Cortesia de wikipedia

«Neste Ano Gusmão, celebrado em Portugal e no Brasil, vale a pena voltar ao tema da forma da Passarola, o primeiro balão construído pelo padre Bartolomeu de Gusmão. E vale a pena transcrever o excerto relevante do livro de Rómulo de Carvalho História dos Balões. Um dos assuntos relativos às experiências de Gusmão que maior curiosidade tem despertado é o de conhecer o feitio que teria a sua Passarola. Infelizmente nada sabemos de certeza embora existam desenhos da época que foram divulgados como representação da máquina voadora. O desenho mais antigo que se conhece é de Maio de 1709, isto é, anterior de três meses à data das experiências de Lisboa, e faz parte dum folheto publicado em Viena de Áustria. A partir dessa data aparece o mesmo desenho reproduzido noutras publicações, com algumas diferenças de pormenor.
A fantasiosa estampa foi imaginada pelo próprio Bartolomeu de Gusmão que desse modo infeliz se quis divertir com a ansiosa expectativa dos lisboetas nas vésperas das anunciadas experiências. Fingiu o inventor que perdera o desenho da sua máquina, deixando-o cair do bolso em qualquer lugar público. Este desenho, ou sua cópia, depressa seria conhecido na Áustria por intermédio da correspondência da rainha, a esposa do rei João V era austríaca. Mais de meio século depois da publicação da estampa de Viena de Áustria, editou-se em Lisboa outra estampa, muito semelhante à anterior e que é a primeira que se conhece impressa em Portugal. Esta estampa é acompanhada duma explicação relativa a cada uma das letras que nela se vêm. Comparem-se as duas figuras e repare-se que na de Viena as letras têm a mesma disposição excepto as G e H que estão trocadas. Como se vê, trata-se de uma barca em forma de ave.

Gravura de 1774

A letra A indica o velame, que servirá para fazer cortar os ares; B a cauda da ave, que faz de leme; C o corpo da barca, construído de modo a esconder, dentro de si, um conjunto de canos ligados a foles destinados a fornecerem o vento necessário à deslocação da Passarola, quando lhes faltassem o vento natural! Em D estão as asas laterais que equilibrarão a barca. Começa agora a parte mais fantasiosa da descrição, relativa às esferas assinaladas com as letras E. São de metal e contêm pedaços de magnetite, pedra natural de poder magnético, a que os antigos portugueses chamavam pedra de cevar.
Para facilitar a elevação da Passarola seria o seu corpo, que era construído de madeira, todo forrado de chapas de ferro. A pedra de cevar, contida nas esferas, atrairia as chapas de ferro, fazendo-a subir!... A parte das figuras indicada com a letra F não tem, em ambas, igual configuração, Na estampa de Viena, vê-se uma rede que cobre a barca; na de Lisboa vê-se uma fila de pequenos corpos suspensos, que fazem lembrar as borlas duma cortina. A aplicação que acompanha esta última diz que:
  • F mostra a coberta feita de arames, a modo de rede, em cujos fios se tem enfiado muita soma de alambre... Alambre é forma antiga da palavra âmbar.
É sabido que esta substância, quando friccionada com um pedaço de lã, se electriza e adquire a propriedade de atrair certos corpos leves como, por exemplo, pedaços de palha. Este fenómeno já é conhecido desde tempos anteriores a Cristo. O autor do desenho da Passarola, que não era ignorante destas coisas, reforçava a acção da pedra de cevar, para tornar mais fácil a ascensão da barca, cobrindo-a interiormente de palha de centeio que seria atraída pelos pedaços de âmbar suspensos. Juntando o útil ao agradável, também a palha servia para a comodidade da gente, que levará até dez homens, e com o seu inventor onze. A letra G da estampa de Lisboa indica a agulha de marear, para a orientação dos navegadores aéreos. Em H vê-se o aeronauta, servindo-se de um instrumento com o qual toma a altura do sol, para ver sonde se acha. A seus pés encontram-se as cartas de navegação. Finalmente em I, dum lado e doutro da barca. Vêm-se as combinações de roldanas para o manejo do velame indicado com a letra A.
O gracejo do padre Gusmão, ao divulgar o falso desenho da máquina, saiu-lhe bem caro. Muitos estudiosos dos assuntos respeitantes à história da conquista do ar não têm dado apreço nem crédito às experiências do nosso compatriota, julgando-as fantasiosas, só por deitarem os olhos à excêntrica máquina voadora representada na estampa. No decorrer do tempo apenas serviu para desprestigiar o inventor. Sem forçarmos a nota de patriotismo podemos afirmar que Bartolomeu Lourenço de Gusmão foi o inventor dos aeróstatos. Não há dúvida nenhuma sobre a efectivação das suas experiências em Lisboa, durante as quais fez subir, ao ar, alguns balões feitos de arames, papel grosso e madeira fina. Também não há dúvida de que se serviu do fogo para os fazer subir. Seriam, portanto, balões de ar quente». In Rómulo de Carvalho, Os desenhos da “Passarola” do padre Voador, Wikipédia.

Cortesia de Wikipédia/JDACT