«Neste Ano Gusmão, celebrado em
Portugal e no Brasil, vale a pena voltar ao tema da forma da Passarola,
o primeiro balão construído pelo padre Bartolomeu
de Gusmão. E vale a pena transcrever o excerto relevante do livro de Rómulo de Carvalho História
dos Balões. Um dos assuntos relativos às experiências de Gusmão que maior curiosidade
tem despertado é o de conhecer o feitio que teria a sua Passarola. Infelizmente nada sabemos de certeza embora existam
desenhos da época que foram divulgados como representação da máquina voadora. O
desenho mais antigo que se conhece é de Maio de 1709, isto é, anterior de três
meses à data das experiências de Lisboa, e faz parte dum folheto publicado em
Viena de Áustria. A partir dessa data aparece o mesmo desenho reproduzido
noutras publicações, com algumas diferenças de pormenor.
A fantasiosa estampa foi imaginada pelo próprio Bartolomeu de Gusmão que
desse modo infeliz se quis divertir com a ansiosa expectativa dos lisboetas nas
vésperas das anunciadas experiências. Fingiu o inventor que perdera o desenho
da sua máquina, deixando-o cair do bolso em qualquer lugar público. Este
desenho, ou sua cópia, depressa seria conhecido na Áustria por intermédio da
correspondência da rainha, a esposa do rei João V era austríaca. Mais de meio
século depois da publicação da estampa
de Viena de Áustria, editou-se em Lisboa outra estampa, muito semelhante à
anterior e que é a primeira que se conhece impressa em Portugal. Esta estampa é
acompanhada duma explicação relativa a cada uma das letras que nela se vêm. Comparem-se
as duas figuras e repare-se que na de Viena as letras têm a mesma disposição
excepto as G e H que estão trocadas. Como se vê, trata-se de uma barca em forma de ave.
A letra A indica o velame,
que servirá para fazer cortar os ares; B a cauda da ave, que faz de leme; C o corpo da barca, construído de modo a esconder, dentro de si, um
conjunto de canos ligados a foles destinados a fornecerem o vento necessário à
deslocação da Passarola, quando lhes
faltassem o vento natural! Em D
estão as asas laterais que equilibrarão a barca. Começa agora a parte mais
fantasiosa da descrição, relativa às esferas assinaladas com as letras E. São de metal e contêm pedaços de
magnetite, pedra natural de poder magnético, a que os antigos portugueses
chamavam pedra de cevar.
Para facilitar a elevação da Passarola
seria o seu corpo, que era construído de madeira, todo forrado de chapas de
ferro. A pedra de cevar, contida nas esferas, atrairia as
chapas de ferro, fazendo-a subir!... A parte das figuras indicada com a letra F não tem, em ambas, igual configuração,
Na estampa de Viena, vê-se uma rede que cobre a barca; na de Lisboa vê-se uma fila de
pequenos corpos suspensos, que fazem lembrar as borlas duma cortina. A aplicação que acompanha
esta última diz que:
- F mostra a coberta feita de arames, a modo de rede, em cujos fios se tem enfiado muita soma de alambre... Alambre é forma antiga da palavra âmbar.
É sabido que esta substância, quando friccionada com um pedaço de lã,
se electriza e adquire a propriedade de atrair certos corpos leves como, por exemplo,
pedaços de palha. Este fenómeno já é conhecido desde tempos anteriores a
Cristo. O autor do desenho da Passarola,
que não era ignorante destas coisas, reforçava a acção da pedra de cevar, para tornar
mais fácil a ascensão da barca, cobrindo-a interiormente de palha de centeio
que seria atraída pelos pedaços de âmbar suspensos. Juntando o útil ao agradável,
também a palha servia para a
comodidade da gente, que levará até dez homens, e com o seu inventor onze.
A letra G da estampa de Lisboa
indica a agulha de marear, para a
orientação dos navegadores aéreos. Em H
vê-se o aeronauta, servindo-se de um instrumento com o qual toma a altura do sol, para ver sonde se
acha. A seus pés encontram-se as cartas de navegação. Finalmente em I, dum lado e doutro da barca. Vêm-se
as combinações de roldanas para o manejo
do velame indicado com a letra A.
O gracejo do padre Gusmão, ao divulgar o falso desenho
da máquina, saiu-lhe bem caro. Muitos estudiosos dos assuntos respeitantes à
história da conquista do ar não têm dado apreço nem crédito às experiências do
nosso compatriota, julgando-as
fantasiosas, só por deitarem os olhos à excêntrica máquina voadora representada na estampa. No decorrer do tempo
apenas serviu para desprestigiar o inventor. Sem forçarmos a nota de patriotismo podemos afirmar que Bartolomeu
Lourenço de Gusmão foi o inventor dos aeróstatos. Não há dúvida
nenhuma sobre a efectivação das suas experiências em Lisboa, durante as quais fez subir, ao ar, alguns
balões feitos de arames, papel grosso e madeira fina. Também não há dúvida de
que se serviu do fogo para os fazer subir. Seriam,
portanto, balões de ar quente». In Rómulo de Carvalho, Os desenhos da “Passarola”
do padre Voador, Wikipédia.
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