terça-feira, 6 de maio de 2014

A descoberta da economia-mundo. Immanuel Wallerstein. «… a investigação transforma o objecto e, portanto, não é nem falsa nem verdadeira. No plano macro que é a vida social humana, isto quer dizer que a história baseada em acontecimentos não é falsa nem verdadeira…»

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Uma visão de futuro
«(…) O primeiro continua a ser a respeito de saber qual é a unidade de análise útil, frutuosa, plausível. Quando falamos da descoberta da economia-mundo, escolhemos uma resposta possível a esta pergunta. Não vou fazer de novo a justificação de uma tal categoria. Gostaria simplesmente de sublinhar o facto de que aceitar essa designação está longe de resolver todas as dificuldades. Mesmo entre os adeptos, subsistem grandes desacordos sobre os limites de espaço-tempo de todo o exemplo específico. E, por detrás do que poderiam parecer debates menores e marginais sobre os pormenores, encontram-se diferenças fundamentais sobre a teorização da realidade e, portanto, das suas tendências seculares e, portanto, sobre as implicações morais e políticas. O grau em que o tempo implica o espaço e o espaço, o tempo faz parte integral desta discussão. A discussão da linearidade da história humana continua a ser uma questão latente quando se quer delimitar o que é uma unidade de análise. Por conseguinte, aceitar que é absolutamente necessário argumentar a unidade de análise não é senão um primeiro passo na concepção e na escrita da história total. O segundo debate, incontornável quando se procura situar a melhor unidade de análise, consiste em saber como a conceber teoricamente, sistematicamente ou / e historicamente. Na minha opinião, longe de ser obrigado a escolher entre as duas sereias, há que encontrar um terceiro não-excluído, impossível, segundo Aristóteles, mas, todavia, a única escolha em condições de abarcar a totalidade da história. Porque em qualquer descrição histórica, cada vez que se narra o que aconteceu, é-se obrigado a empregar vocábulos categoriais que escondem toda uma teorização. Mas, em contrapartida, o mundo evolui a cada instante e não se pode acreditar que uma teorização permaneça válida através de todo o tempo e espaço.
Por conseguinte, temos obrigatoriamente que procurar teorizar e historizar ao mesmo tempo. É um pouco análogo ao dilema de Heisenberg: a investigação transforma o objecto e, portanto, não é nem falsa nem verdadeira. No plano macro que é a vida social humana, isto quer dizer que a história baseada em acontecimentos não é falsa nem verdadeira, mas que, ao mesmo tempo, também a história analítica não é falsa nem verdadeira. Tudo o que podemos fazer é esforçarmo-nos por fornecer uma explicação plausível da realidade, mais plausível do que toda a explicação alternativa. O terceiro debate consiste em saber o que fazer com as divisões do real que achamos tão evidentes porque elas nos são implantadas na nossa formação e são repetidas incessantemente nas análises dos investigadores e na vida pública. Estou a referir-me à divisão entre o económico, o político e o sócio-cultural. Dizem-nos recorrentemente que se trata de três domínios bastante diferentes, bastante separados, que seguem regras próprias. Ou, pelo menos, que isto é verdade para o mundo moderno. Mas não é verdade. Trata-se quando muito de três aspectos de uma única realidade muito imbricada, na qual não é possível compreender o que se passa num destes assim chamados domínios sem se dar conta da totalidade. Cada decisão económica depende das suas consequências políticas e sócio-culturais, e é também resultado de elementos políticos e sócio-culturais. E assim sucessivamente». In Immanuel Wallerstein, A descoberta da economia-mundo, Comunicação ao colóquio Le Portugal et le Monde; Lectures de l’Oeuvre de Vitorino Magalhães Godinho, Paris, 2003, Revista Crítica de Ciências Sociais, nº 69, 2004.

Cortesia de wikipedia/JDACT