Uma visão de futuro
«(…) O primeiro continua
a ser a respeito de saber qual é a unidade de análise útil, frutuosa,
plausível. Quando falamos da descoberta da economia-mundo, escolhemos uma
resposta possível a esta pergunta. Não vou fazer de novo a justificação de uma
tal categoria. Gostaria simplesmente de sublinhar o facto de que aceitar essa
designação está longe de resolver todas as dificuldades. Mesmo entre os
adeptos, subsistem grandes desacordos sobre os limites de espaço-tempo de todo
o exemplo específico. E, por detrás do que poderiam parecer debates menores e
marginais sobre os pormenores, encontram-se diferenças fundamentais sobre a
teorização da realidade e, portanto, das suas tendências seculares e, portanto,
sobre as implicações morais e políticas. O grau em que o tempo implica o espaço
e o espaço, o tempo faz parte integral desta discussão. A discussão da
linearidade da história humana continua a ser uma questão latente quando se
quer delimitar o que é uma unidade de análise. Por conseguinte, aceitar que é
absolutamente necessário argumentar a unidade de análise não é senão um
primeiro passo na concepção e na escrita da história total. O segundo debate,
incontornável quando se procura situar a melhor unidade de análise, consiste em
saber como a conceber teoricamente, sistematicamente ou / e historicamente. Na
minha opinião, longe de ser obrigado a escolher entre as duas sereias, há que
encontrar um terceiro não-excluído,
impossível, segundo Aristóteles, mas, todavia, a única escolha em condições de
abarcar a totalidade da história. Porque em qualquer descrição histórica, cada
vez que se narra o que aconteceu, é-se obrigado a empregar vocábulos
categoriais que escondem toda uma teorização. Mas, em contrapartida, o mundo
evolui a cada instante e não se pode acreditar que uma teorização permaneça
válida através de todo o tempo e espaço.
Por conseguinte, temos
obrigatoriamente que procurar teorizar e historizar ao mesmo tempo. É um pouco
análogo ao dilema de Heisenberg: a investigação transforma o objecto e,
portanto, não é nem falsa nem verdadeira. No plano macro que é a vida
social humana, isto quer dizer que a história baseada em acontecimentos não é
falsa nem verdadeira, mas que, ao mesmo tempo, também a história analítica não
é falsa nem verdadeira. Tudo o que podemos fazer é esforçarmo-nos por fornecer
uma explicação plausível da realidade, mais plausível do que toda a explicação
alternativa. O terceiro debate consiste em saber o que fazer com as divisões do
real que achamos tão evidentes porque elas nos são implantadas na nossa formação
e são repetidas incessantemente nas análises dos investigadores e na vida
pública. Estou a referir-me à divisão entre o económico, o político e o sócio-cultural.
Dizem-nos recorrentemente que se trata de três domínios bastante diferentes,
bastante separados, que seguem regras próprias. Ou, pelo menos, que isto é
verdade para o mundo moderno. Mas não é verdade. Trata-se quando muito de três
aspectos de uma única realidade muito imbricada, na qual não é possível
compreender o que se passa num destes assim chamados domínios sem se dar conta
da totalidade. Cada decisão económica depende das suas consequências
políticas e sócio-culturais, e é também resultado de elementos políticos e
sócio-culturais. E assim sucessivamente». In
Immanuel Wallerstein, A descoberta da economia-mundo, Comunicação
ao colóquio Le Portugal et le Monde; Lectures de l’Oeuvre de Vitorino Magalhães
Godinho, Paris, 2003, Revista Crítica
de Ciências Sociais, nº 69, 2004.
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