Introdução
«(…) O tempo foi temperando e depurando sabiamente esta amizade: Wenceslau
de Moraes enviava brinquedos à filha do amigo, confessava-lhe os seus
segredos íntimos, pedia-lhe conselhos, solicitava-lhe favores e manifestava a
sua profunda admiração em cartas que dirigia ao sobrinho, Joaquim Moraes Costa:
Alegro-me em saber que o Dr. Peres
Rodrigues e sua Esposa os visitaram, brindando-te com um aquário. Eu tenho o
Dr. Rodrigues por um homem altamente superior; Portugal inteiro talvez não
tenha cem indivíduos que o igualem; tu e tua irmã são ainda muito novos para o compreenderem
completamente, só bem tarde talvez o possam apreciar como ele merece. No
entretanto, devem estimá-lo muito, como um parente, como um amigo; abrirem-lhe
o seu coração, não terem o menor segredo para ele; e finalmente seguirem todos
os seus conselhos, pois só nele encontrarão guia seguro contra as grandes dificuldades
da vida. Sólida amizade que foi veementemente lavrada em cartas e
dedicatórias, das quais se destaca esta, que se encontra inédita, na Biblioteca
Central da Marinha: A publicação
destas páginas destonantes, escritas umas aos 20 anos, outras mais de 15 anos
passados, umas primitivamente impressas nos folhetins dos jornais, outras agora
escolhidas por entre a papelada inútil de uma pobre gaveta de secretária, tem
como única razão esta mesma dedicatória. Fiz este livro para o oferecer a um
amigo, que me desculpará a sua inutilidade, apreciando apenas a primeira página,
como um penhor da minha cordial simpatia. Por sua vez, Sebastião Peres
Rodrigues não era menos efusivo. Em carta inédita, dirigida a Wenceslau, afirmava nomeadamente: Outro companheiro como o Amigo é para mim,
já não espero encontrar cá por esta vida. Na verdade, a sua disponibilidade
era total o que o levou inclusivamente a pôr à disposição do escritor as suas
economias para a publicação de um livro, a incentivá-lo constantemente e a
dissipar as mágoas que o consumiam e o minavam gradualmente. Mais tarde foi seu
procurador, tutor dos sobrinhos, com Almeida d'Eça, e contribuiu decisivamente
para desbloquear o seu vencimento de Cônsul, em 1911.
No extenso testemunho referido anteriormente, Sebastião Peres Rodrigues
evoca o seu primeiro encontro com Wenceslau
do seguinte modo: Impressionou-me a
figura e modos de W.: magro, de encurvado
arcabouço, barba toda muito loira, olhos grandes de expressão bondosa e
inteligente, não era um tipo vulgar, e a natural distinção impunha-se a quem
lhe ouvisse o falar correcto, despretensioso, e a breve trecho revelando
qualidades afectivas. […] Certo é que, desde os primeiros dias de viagem, longas
conversas se travaram; gostos, hábitos e tendências se revelaram, surgindo a
seguir a confidência dos seus lavores literários, dados a público no Diário da
Manhã, sob a égide de Pinheiro Chagas, mas ao abrigo de um impenetrável
pseudónimo.
Anos depois, Sebastião Peres Rodrigues insurgiu-se contra as alusões de
certa imprensa periódica, que associava a demissão inesperada de Wenceslau dos cargos de Cônsul e de oficial
da Marinha a uma opção de carácter exclusivamente político: Não houve nessa atitude [...1 o menor
propósito de significar incompatibilidades com a República, como poderá julgar.
Quem não conhecer o superior espírito que é Wenceslau de Moraes. Não, nunca ele
pensaria em agravar desse modo os homens do seu país. Aquele gesto de renúncia
é a consequência dum estado de alma muito particular, que eu via lentamente
desenvolver-se, em delicadas e dolorosas florações, nas cartas que ele me escrevia.
É a realização de um sonho, velho de muitos anos [...]. Esta amizade
extinguiu-se por volta de 1914:
segundo Sebastião Peres Rodrigues, a rotura prendeu-se com uma atitude menos
positiva de Wenceslau para com os
sobrinhos de quem aquele médico era tutor». In Wenceslau de Moraes, Cartas do
Extremo Oriente, Fundação Oriente, Lisboa, 1993, ISBN 972-9440-07-7.
Cortesia de FOriente/JDACT