O mosteiro de Santo
Tirso, antes de 1092. Silhueta de uma entidade projectada no chão
de uma história milenária
«Um primeira fase (978-1092),
de silhueta imprecisa. De que ordem não se saberá. Logo o acto solene de 1092 foi, certamente, entre outras
coisas, uma filiação, não propriamente uma fundação: os monges, aos
finais do século XI, sem que interrupção de vida monástica houvesse, conforme
penso, tão só adoptaram uma Regra, a de S. Bento. Julgo que sim. Porque
só uma filiação, respeitar-se-ia o orago de trás, o mártir Santo Tirso. Mas logo
se lhe adoçaria a protecção secundária de Nossa Senhora da Assunpção, que já
figura na carta de couto de 1098. E
que, depois, a Senhora-a-Alta se revigoraria, a ponto de reagir-se contra o
declínio e postergação do santo asiático. Da organização da comunidade original
também nada, ou pouco, sabemos Mas avulta já uma faceta que marcaria, com
vigor, a caminhada histórica do mosteiro de Santo Tirso. De coração aberto aos
problemas do homem e do mundo. Assim, a controvérsia de 1100-1101, entre o
convento e o arcebispo S. Geraldo, revelará, por analepse, num recuo mesmo às
origens, o acolhimento do mosteiro a favor dos viandantes, sem distinção.
Eclesiásticos ou leigos, pobres ou da fidalguia, todos encontravam na nossa
casa religiosa uma telha que os abrigasse e um naco de pão que lhes fornecesse
vigor. A história de Gonçalo Pais, da Casa de Marnel, e ligado
aos padroeiros de Santo Tirso, por parte da mãe, demonstra também igualmente a
fama deste mosteiro, e os insucessos na recuperação do enfermo pode ser nada a
deslustrem, no tratamento e solicitude em prol dos doentes. Uma
espiritualidade, pois, que os não alienaria na função absorvente do culto e do altar
ou na ascese redentora que os levasse a uma desvinculação total e pessoal dos laços
corpóreos e mundanais. Antes, lhes infundia na devoção aos homens o calor místico
de um encontro maior e mais estreito com Deus, em pessoa. O seu mistério o sondavam
no coração mesmo da história.
Após 1092
Uma data importante: 1092. Agora, a filiação beneditina do
nosso mosteiro, suponho, a
eleição de Gaudemiro, escolhido pelo voto dos monges, apresentado pelos vinte
e tantos padroeiros, confirmado e ordenado
por Crescónio, bispo de Coimbra, o compromisso dos padroeiros sobre a
indivisibilidade dos bens monásticos, a inauguração de um novo convento... Uma
segunda data decisiva: 1402. Toma
posse do mosteiro, nesta altura, o primeiro abade comendatário, Martim
Aires. Perdem, doravante, os monges de Santo Tirso o direito
da eleição; e os padroeiros o direito que lhes competia, o de
apresentarem o abade. Sabemos pelas linhas e entrelinhas dos processos da
nomeação quem são os promotores dos candidatos, ao nível das prelaturas. Outra
data a impor um novo rumo no historial da comunidade religiosa: 1588. A 16 de Julho aconteceu a resignação
do último comendatário, o cardeal Alexandre Farnese. Uma outra cronologia a
reter-se, a de 1590: início dos
abades, eleitos pelos monges, mas agora trienais. Foi o regime que perdurou
até à abolição das Ordens religiosas: Maio de 1834. Dois meses antes, a 26
de Março, esquivar-se-iam, por antecipação, os nossos monges ao cutelo do Mata-frades.
Com a entrada dos liberais na nossa cidade, o último prelado remeteria os
monges para as suas terras de origem. Depois, fechou as portas do mosteiro,
beijou o solo. Agoniado no coração, intuiu a suspeita de que os seus religiosos
sairiam do convento, mas não como em 1385.
Agora, talvez, sem esperança de regresso. E
adivinhou...
De 1092 a 1395
É o período dos abades
eleitos e vitalícios. Desde o abaciado de Gaudemiro até ao de Vicente
Rodrigues. Há uma subdivisão. Isto
é seguro. Confesso ingenuamente que me não sinto com forças para a
tarefa de a delimitar. Isto é, não sei cronometrar a primeira série, a dos abades
de rigorosa observância, e a que lhe sucederá, a daqueles a que se dá o nome de
abades da claustra, quando se opera a divisão tripartida dos bens
monásticos: duas partes para a mesa
abacial e uma parte para a mesa conventual. À semelhança, diga-se, do
que antes se fizera nas dioceses, com a instalação bipolarizada, mas em desigualdade,
da mesa episcopal e da mesa capitular. Timidamente, aponto esta subdivisão,
pelo que toca ao mosteiro de Santo Tirso: 1092-1171: abades de estrita observância; 1171-1396: abades da claustra. A data de 1171, como momento hipotético da uma
fractura, de uma transição já efectuada, terá a sua justiça no facto da
capacidade de que já usufruíra o abade Fernão Mendes, a de dispor dos
seus bens, talvez, fracções da chamada mesa abacial, à sua morte, em
benefício da ovença monástica da enfermaria. Se possuía bens seus e deles podia
dispor é porque, no mosteiro, já tudo não seria em comum...
De 1402 a 1588
De 1396, morte do último abade da claustra, até 1402, abre-se um parêntesis: uma fase de transição. À morte de Vicente
Rodrigues., último abade da claustra, diz um livro do cartório do
mosteiro, houve uma agitada movimentação política. Os monges, com a anuência do
padroeiro, decidiriam escolher um frade do convento, João da Maia. O
bispo do Porto e o padroeiro, em acção concertada, e depois do segundo dar o dito por não dito!, impuseram-lhes
João Afonso Aranha, cónego do Porto, abade de Várzea de Ovelha, Marco de
Canaveses e, depois, bispo portucalense (1408-1414). Acatariam os religiosos,
anulando, de forma virtual, a eleição de João da Maia». In
Francisco Carvalho Correia, Maria Luz Ríos Rodrigues, Wikipédia, Universidade de
Santiago de Compostela, Faculdade de Xeografia, História e Arte Departamento de
História Medieval e Moderna, 2007, ISBN 978-8498-8703-81
Cortesia
USCompostela/JDACT