Terceiro Livro de linhagens
Batalha do Salado
«(…) Ydeuos aaz do cural que eu mandei que uos
guardasem e per la chegaredes a aliazira em saluo e partiredes uosa morte, que
esta muyto acerca, ca podera seer que desmanharam os caualeiros que em ela
estam e nom uos atenderam.» Dise el Rei almafacem «dime que caualeiros teens em ela.» Respondeulhi
alcarac. «Senhor eles forom XIIII mil em começo e mandey eu os V mil em
refrescamento das lides quando ui que todalas algazunas eram ia a lidar e
tardauam que nom uenciam e asi ficarom IX mil.» Dise el Rei, «Dime alcarac eses
IX mil que dizes que ficarom soom bons caualeiros?» «si senhor, dise alcarac,
ca eles todos som alarabes.» Dise el Rei «Alcarac sabe que as costulaçoões do
ceo se mudam muy toste segundo o corimento do ceo das pranetas, e as boõas
uentuiras e as maas destas costulações nacem pelo poderio que lhis deos
ordinhou. E se ora ouuemos maa costalaçom auelaemos boõa. Estes cristaãos ueem
desacaudelhados e teem que ia nom podemos tornar a eles, segueme alearac e nom
me desempares e tornemos aa lide.» En esto entrou antre estes IX mil caualeiros
e tornou o rostro contra hu uiinham os cristaãos, e dise a grandes uozes,
«Senhores nenbreuos que eu so o uoso Rei almafacen auenturado e uencedor de
todalas lides que fiz, sabedes que eu uenci e soioguey os Reis de soioromeça e
de tremecem, e as grandes gentes «dos alaraues» e pasei as montanhas e corí
todalas areas e a gram terra de puscoa e de almadia, sabedes que a espanha foy
de uosos auoos, estes cristaãos peros que uola teem forçada nom parecerom oie em canpo XIII mil
caualeiros, e muytos deles som mortos e som fora de força por o gram trabalho
que oie ouuerom, nom percades as famas de bondades de caualeria que sempre
ouuestes e os filhos e as filhas e as molheres fremosas, e as grandes requezas
que aqui trouuestes.» E dise muyto alta uoz «mafomede mafomede, nom desampares
os teus.» Deu das esporas ao caualo muy rigamente contra os cristaãos que yam
por seu encalço e dise «marim marim que eu so o Rei almofacem uencedor de todo
o que cometi.» E indo a todo seu poder pera ferir da espada, dom alcarac o turco
e o Infante bazayne seu filho del Rey encalçaronno e filharonno pela redea do
caualo diseromlhi «senhor nom he oie o dia uoso, auedeuos por preso, ca nom
queremos que aqui moirades, porque se os cristaãos em uos topam asi todos ueem
em tropel nom auedes defensom.» Alcarac entregou el Rei aaquel Infante seu
filho e a XX caualeiros e mandou que se fosem indo com el em meyo da az do
coral. Alcarac ficou na çaga com dous mil caualeiros os milhores que achou na
az do coral e colhia asi todolos mouros que uiinham desbaratados e enuiauaos
adeante a az do coral e yase muyto a paso com grande aroído datauaques e
danafiis, e os cristaãos que yam per o encalço que em el topauam afastauaos de
si fazendo sas esporoadas contra eles muy fremosamente, asi que todos aqueles
que em el topauam nom guanharom com el prez. Asi foy defendendo sua çaga que
todos os que se colherom a az do coral forom en salvo». In Portugaliae Monumenta Historica, Scriptores.
Quarto Livro de Linhagens ou Nobiliario do conde Pedro de
Barcelos
Prologo
«Da linhagem dos homens como vem de padre a filho, des o
começo do mundo, e do que cada um viveu e de que vida foi. E começa em Adão, o
primeiro homem que Deus fez, quando formou o ceu e a terra.
Em nome de Deus que e fonte e padre de amor, e porque este
amor nom sofre nenhuma cousa de mal, porem em servi-lo de coraçom e carreira
real, e nenhum melhor serviço nom pode o homem fazer que ama-lo de todo seu sen
e seu proximo como si mesmo, porque este precepto e o que Deus deu a Moises na
Vedra Lei. Porem eu, conde Dom Pedro, filho do mui nobre rei Dom Dinis, o houve
de catar por grão trabalho, por muitas terras, escrituras que falavam dos
linhagens. E vendo as escrituras com grande estudo e em como falavam de outros
grandes feitos, compuge este livro por ganhar o seu amor e por meter amor e
amizade antre os nobres fidalgos da Espanha. E como quer que antre eles deve
haver amizade, segundo seu ordenamento antigo, em dando-se fe pera se nom
fazerem mal uns aos outros, a menos de tornarem a este amor e amizade per
desfazem-se. Esto diz Aristotiles que, se os homens houvessem antre si amizade
verdadeira, nom haveriam mester reis nem justiças, ca amizade os faria viver
seguramente em o serviço de Deus. E a todolos homens, ricos e pobres, cumpre
amizade. E os que som meninos hão mester quem os crie e ensine; e, se som
mancebos, hão mester quem os conselhe pera fazer sas cousas seguramente; e, se
forem velhos, hão mester que lhes acorram aos seus desfalicimentos. E os amigos
verdadeiros devem-se guardar em sas palavras de dizer cousa per que seus amigos
nom venham a fama ou a mal, ca per i se desataria a amizade. E nom se devem
mover a crer de ligeiro as cousas que lhes deles digam de mal, e devem-se
guardar segredos e nom devem retraer as obras que se fezerom. E porque nenhuma
amizade nom pode ser tão pura, segundo natura come daqueles que descendem de um
sangue, porque estes movem-se mais de ligeiro as cousas por onde se mantem,
houve de declarar este livro per títulos e per alegações, que cada um fidalgo
de ligeiro esto pudesse saber e esta amizade fosse descoberta e nom se perdesse
antre aqueles que a deviam haver». In Livros de Linhagens, Projecto Vercial, Portugaliae Monumenta Historica,
volume dedicado aos Scriptores,
Alfarrábio da Universidade do Minho, 1996-2013, Wikipédia.
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