Introdução
«O cristianismo
institucional, que tem alimentado a civilização ocidental há mais de dois mil
anos, pode ter sido construído sobre uma gigantesca falha na sua doutrina: a Negação do feminino. Durante
muitos anos convivi com uma vaga sensação de que algo estava radicalmente
errado com o meu mundo. Sentia que, por um período longo demais, o feminino na nossa
cultura vinha sendo desprezado e desvalorizado. Mas foi somente em 1985 que encontrei provas documentais
de uma devastadora fractura na história cristã. Em Abril daquele ano, sabendo
do meu grande interesse pelas Escrituras judaico-cristãs e pela origem do cristianismo,
uma amiga indicou-me o livro O Santo Graal e a linhagem sagrada.
Após essa leitura, fiquei completamente atónita. Minha primeira reacção foi
achar que os autores, Michael Baigent, Richard Leigh e Henry Lincoln, tinham
que estar errados. A sua obra era quase uma blasfémia. Eles sugeriam que Jesus
Cristo havia sido casado com a outra
Maria citada nos Evangelhos: a que chamavam a Madalena: a mulher que, na arte ocidental, era mostrada
carregando um vaso de alabastro, a santa a quem a Igreja chama de
prostituta penitente. Não fiquei apenas chocada com essa ideia, mas profundamente
abalada. Como a Igreja não teria mencionado esse
facto caso fosse verdade? Uma afirmação de tamanha importância não
poderia ter sido negligenciada durante os dois mil anos de história dessa
instituição! Entretanto, as evidências coleccionadas por esses escritores
sugeriam que a verdade havia sido suprimida de maneira implacável pela
Inquisição (maldita). Como filha leal da
Igreja Católica Romana, logo presumi que os autores de tamanha heresia estavam
enganados. Mas a tese central, de que Jesus teria sido casado, não me deu descanso.
Ela me assombrava. E se fosse verdade?
E se Maria Madalena, a suposta mulher de Jesus, tivesse sido apagada da
história, e a Igreja, que se iniciava, tivesse continuado a desenvolver-se sem a delicada presença
dessa mulher?
Pensar sobre as
implicações de tão terrível perda para a Igreja e para a humanidade era algo
insuportável para mim. Aos prantos, orei para entender essa versão herética do Evangelho.
Eu sabia que precisava descobrir a verdade. Amparada nos meus conhecimentos académicos
em literatura comparada, linguística e estudos medievais e bíblicos, enxuguei
as lágrimas e comecei a pesquisar a heresia, presumindo que logo encontraria
meios de refutá-la. O livro envolvera muitas áreas do meu interesse pessoal e
da minha formação profissional: religião,
civilizações medievais, arte, literatura e simbolismo. Havia ensinado
estudos bíblicos e educação religiosa durante vários anos, por isso conhecia
bem o terreno em que estava pisando. No início, imaginei que desmascarar a
heresia seria uma tarefa simples. Fui directamente às pinturas dos artistas
citados pelos autores de O Santo Graal e a linhagem sagrada como
coniventes com a heresia do Graal. Examinei os símbolos naqueles trabalhos, comparando-os
com as marcas-d'água dos albigenses (hereges que se disseminaram no Sul da França
entre 1020-1250 d.C.) que eu havia encontrado alguns anos antes numa
obscura obra de Harold Bayley, The Lost Language of Symbolism (A linguagem perdida do simbolismo).
Fiquei desconcertada ao descobrir que as produções daqueles artistas medievais
continham claras referências que reforçavam a heresia do Graal. Incapaz de
refutá-la com base nesse facto, prossegui na minha busca. A pesquisa acabou por me levar às profundezas da história europeia, da
heráldica, dos rituais da maçonaria, da arte medieval, do simbolismo, da
psicologia, da mitologia, da religião e das Escrituras judaicas e cristãs.
Em todos os lugares nos quais procurava, encontrava evidências do feminino que
haviam sido perdidas ou negadas pela tradição judaico-cristã e das várias
tentativas de devolver à Noiva a sua antiga e acalentada
condição. Quanto mais eu me envolvia com o material, mais claro ficava que
existia algo de real nas teorias propostas no livro que eu lera. E, aos poucos,
fui-me rendendo aos dogmas centrais da heresia do Graal, a mesma teoria que eu
havia proposto a desacreditar.
Ao seleccionar o material para este livro, trabalhei baseada na teoria
de que onde há fumaça há fogo. Quando tantas evidências de fontes tão numerosas
e diversas podem ser reunidas para comprovar uma única hipótese, há uma boa
razão para levá-la a sério. Portanto, poderia mesmo existir alguma verdade nos
rumores que persistiram por dois mil anos e que vieram à tona mais
recentemente, para que todos pudessem ver, nos filmes Godspell – A esperança,
Jesus Cristo superstar e A última tentação de Cristo, os quais
mostram o relacionamento de Jesus e Maria Madalena como algo muito significativo
e com uma intimidade toda especial. Eu não posso provar que os dogmas da
heresia do Graal são verdadeiros, nem que Jesus se casou, nem que Maria
Madalena era mãe de seu filho. Não posso sequer provar que Maria Madalena era a
mulher do vaso de alabastro que ungiu Jesus em Betânia. Mas posso constatar que esses
eram dogmas de uma heresia amplamente aceita na Idade Média e que seus
resquícios estão contidos em numerosos trabalhos de arte e literatura. Ela foi veementemente
atacada pela hierarquia da Igreja de Roma, mas conseguiu sobreviver, apesar da
incansável perseguição que sofreu. A heresia que manteve viva a outra versão da
vida de Jesus foi impiedosamente perseguida, julgada e condenada à extinção.
Mas a história do Noivo Sagrado/Rei de Israel mostrou-se virulenta demais, até
para a Inquisição (maldita). E continuou
a frutificar de tempos a tempos, como uma robusta videira que se espalha
debaixo da terra e depois vem à superfície. Ela apareceu em situações em que a
Inquisição (maldita) e a Igreja não
podiam arrancar suas raízes, nos contos do folclore europeu, na sua arte e
literatura, sempre escondida, frequentemente codificada em símbolos, mas
onipresente. Manteve viva a esperança da linhagem davídica, que muitas vezes era
chamada de Videira». In Margaret
Starbird, Maria Madalena e o Santo Graal, Mulher do Vaso de Alabastro, Editora
Sextante, Wikipédia.
Cortesia Sextante/JDACT