Reflexos
do
Maio de’68
na Sociedade Portuguesa
Nota Prévia. «Quem viveu os acontecimentos
ocorridos em Maio de 68 certamente não esqueceu as notícias que até nós
chegavam desses factos, apesar de nem tudo ser convenientemente divulgado. Mas
a época era de emigração e de grande procura de França, sobretudo de Paris, à
busca de melhores condições de vida, ou para continuar estudos e adquirir as
especializações que tardavam em chegar a Portugal, ou tão-somente à cata de
algum espaço de maior liberdade de expressão. Também quem por esses ou outros
motivos presenciou os episódios de conturbação estudantil, certamente não
esqueceu as vivências desses tempos. E, quiçá persuadido da extensão da
controvérsia, procurou razões, reteve imagens, guardou documentos, observou
consequências que, decorridas algumas décadas será certamente de interesse
recordar. Reflectir em todos esses episódios e observar o seu eco na sociedade
portuguesa, foram motivos que levaram o CEPCEP, a consagrar-lhe um número da
sua revista Povos e Culturas.
Mas também, porque atento aos fenómenos de mutação social, com esta reflexão
pretendeu assinalar o quarto de século da sua existência, trazendo à lembrança ou
ao conhecimento das gerações presentes, acontecimentos que se terão repercutido
na sociedade portuguesa do tempo. Temos a noção da complexidade da análise e da
controvérsia do tema. Por isso tivemos a preocupação de o trazer ao público,
decorridos 40 anos, analisando-o em diversas perspectivas e por autores de
diferentes formações académicas e de desiguais universos políticos. Os autores
que tiveram a generosidade de colaborar connosco, enriqueceram-nos com
perspectivas teóricas, informação sobre comportamentos insurrectos, análises históricas,
vivências revolucionárias, quer em França quer depois em Portugal. Muitos deles
foram testemunhas oculares do ocorrido durante e após a revolução que marcou a
segunda metade do século XX. Estamos certos que da leitura destes artigos,
entrevistas e depoimentos nascerá uma opinião mais enriquecida e firme sobre o Maio
de 68 e das suas repercussões na sociedade portuguesa». In Mário Lages Artur Teodoro
de Matos
Para uma
revisitação de ‘one-dimensional man’ de Herbert Marcuse
Um mentor inspirativo?
«Desde
muito cedo, praticamente, numa coetaneidade com o desenrolar dos acontecimentos
e a sua expressão mediatizada, Herbert Marcuse foi sendo associado à
figura tutelar de mentor inspirativo,
inspirational mentor, dos movimentos estudantis de protesto dos anos
sessenta do século passado. Uma ronda pelas publicações da época poderá sem
dificuldade encontrar atestações para o facto, que a memória dos
contemporâneos, como impressão, regista. A título anedótico, recordo ainda o
entusiasmo com que de Marcuse me falava, confessando embora não o ter
lido, um antigo colega de liceu, de naturalidade francesa, recém-chegado de
Paris, numa conversa ocasional no Verão de 1968, em plena praia do Estoril. Compete
à investigação histórica e ao inquérito sociológico debruçar-se em concreto, e
com maior rigor, sobre as vicissitudes e os termos determinados, culturais,
ideológicos e, inclusivamente, biográficos, em que essa influência espiritual, reconhecidamente difusa, se
terá verificado.
No
entanto, é facto que, entre 1964, data da primeira edição, e 1969,
One-Dimensional Man conheceu, só nos Estados Unidos da América e
na mesma editorial, mais de uma dezena de reimpressões. O êxito do
empreendimento teve certamente
a ver, não apenas com a real valia intrínseca da obra, mas também com a sua
estreita consonância percebida com todo um conjunto de realidades que estavam
em gestação e desenvolvimento. Por
sua vez, o próprio Marcuse, no prefácio de An Essay on Liberation
(1969),
depois de assinalar a continuidade temática deste escrito, designadamente, com Eros
and Civilization, One-Dimensional Man, e Repressive
Tolerance, afirma: Este ensaio
foi escrito antes dos acontecimentos de Maio
e Junho de 1968 em França. Acrescentei meramente algumas notas de rodapé em
jeito de documentação. A coincidência entre algumas das ideias sugeridas no meu
ensaio e as formuladas pelos jovens militantes foi para mim surpreendente [striking]. O radical carácter
utópico das exigências [demands]
deles ultrapassa de longe as hipóteses do meu ensaio; e, todavia, essas
exigências foram desenvolvidas e formuladas no decurso da própria acção; são
expressões de uma prática política concreta. Para além dos aspectos
testemunhais de admiração e de espanto que acompanham todo este pronunciamento,
desde logo, dois traços teoréticos me parecem desenhar-se aqui, e ser de reter:
a vinculação da produção de pensamento (ou a consciencialização dos actores) à
imersão num processo activo (a prática de uma luta em desenvolvimento) e
o equacionamento da dimensão utópica». In José Barata Moura, Artur
Matos e Mário Lages, Centro de Estudos dos Povos e Culturas de Expressão Portuguesa, Povos e
Culturas n.º 12, Reflexos do Maio de ’68 na Sociedade
Portuguesa (CEPCEP), Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2008, ISSN 0873-5921.
Cortesia de CEPCEP/JDACT