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«A decisão de enviar nova frota para procurar a ligação do Atlântico
com o Índico, que João II havia de tomar imediatamente depois de se ter
reconhecido que as duas tentativas de Diogo Cão se concluíram por desilusões, mostra
que o rei estava absolutamente convencido de que as duas grandes massas
oceânicas se comunicavam. Em todo o caso, é de presumir que o Príncipe Perfeito não esperasse, com a
iniciativa então tomada, para dar seguimento a projectos antigos, que os seus
enviados, por muito longe que lograssem ir, chegassem até o oriente: com
efeito, se tal estivesse na sua ideia, não teria decerto enviado por terra,
quase simultaneamente, Afonso Paiva e Pêro Covilhã, este com a
missão expressa de obter informações pormenorizadas sobre os centros indostânicos
onde comerciavam as especiarias, tarefa de que ele se desempenhou de modo
satisfatório. Para pôr em prática a nova tentativa de alcançar aquele objectivo
em que se empenhara a fundo desde o início da década de 1480, o monarca mandou aparelhar uma armada de três caravelas, mas
a história só registou o nome de uma a S.
Pantaleão; esta veio a ser capitaneada por João Infante, e as
duas outras tiveram por capitães Bartolomeu
Dias, que era igualmente responsável pelo êxito da expedição, e o irmão
deste último, Diogo Dias, que o havia de acompanhar como capitão de um
navio, na viagem de Pedro Álvares Cabral, e veio a ser o primeiro português
a chegar por via marítima à entrada do mar Vermelho, como a seu tempo se dirá
neste livro. A navegação destas três caravelas seria entregue a pilotos
escolhidos entre os mais práticos e mais famosos daquele tempo, ou seja, Álvaro
Martins, João Santiago e Pêro Alenquer.
Ê de salientar que pelo menos João Santiago conhecia bem os mares a que
a armada se dirigia, pois fora um dos companheiros de Diogo Cão em uma ou nas
duas viagens que este fez, aparecendo o seu nome escrito na célebre
inscrição de Ielala. É de Bartolomeu
e da bem sucedida viagem que ele orientou que vamos agora falar. A bibliografia
sobre este feito e o marinheiro que o levou a cabo é muito vasta. Seguiremos
aqui a esplêndida síntese de Damião Peres, publicada na sua História
dos Descobrimentos, e bem assim, mas em segundo plano, alguns trabalhos
que Gago Coutinho, Luciano Cordeiro, Teixeira da Mota e Armando Cortesão
dedicaram ao navegador e a vários dados adquiridos na sua viagem, de decisivo
valor para o enriquecimento dos conhecimentos geográficos.
A incerteza sobre a origem e data do nascimento de Bartolomeu é idêntica a semelhantes dúvidas que existem acerca de
outros navegadores e aventureiros de que nos temos ocupado. De positivo apenas
se sabe que o navegador era escudeiro do rei; que navegou com Diogo de Azambuja
até São Jorge da Mina, e ajudou a tomar a fortaleza; que na década de 1491-1500
desempenhou o cargo de recebedor do Armazém da Guiné; e que encontrou a morte no
mar em 1500, quando a embarcação que
comandava, e ia integrada na armada de Cabral, foi com mais três tragada por
uma súbita tempestade, quando navegavam em águas do Atlântico Sul. Além disso,
sabe-se que viajou para a Mina em 1497,
navegando até Cabo Verde juntamente com a armada de Vasco da Gama.
A sua situação de escudeiro contradiz a hipótese proposta por alguns
autores de que teria sido um nobre de alta estirpe. Essa ideia surgiu a partir
do apelido de Novais que lhe é
acrescentado numa carta de doação da capitania de Angola a um seu neto,
assinada em 1571 pelo rei Sebastião;
mas a data tardia deste diploma deixa dúvidas quanto à razão que levou a esse
acréscimo ao nome de um descendente do navegador. Se o problema da fidalguia do
nosso Bartolomeu parece ter sido de
vez solucionado, pelo facto de estar documentada a sua condição de escudeiro na
corte, já, pelo contrário, não pôde até hoje ser feita de modo concludente a
destrinça entre o navegador e vários homónimos, alguns também ligados a
actividades marítimas, que viveram pela mesma época. Damião Peres enumera alguns desses homónimos, e os documentos
em que são citados foram em parte publicados por Silva Marques; mas além
desses, que já não eram poucos, há ainda outros textos com referências a um Bartolomeu Dias. Citar-se-ão
primeiramente os diplomas que com muita verosimilhança podem referir-se ao
navegador, e depois aqueles que tratam dos seus homónimos. Quanto aos
primeiros, temos de enumerar os seguintes:
- Um alvará, de mercê, datado de 21 de Junho de 1478, que concede a um Bartolomeu Dias o quinto real das presas que tomara, como reembolso de uma quantia despendida no resgate de um escravo do príncipe João, que se encontrava cativo em Génova. O alvará está subscrito por João II, quando ainda príncipe, e diz o seguinte: Nós, o Príncipe, fazemos saber a quantos este nosso alvará virem, que nos praz fazermos por ele mercê a Bartolomeu Dias de todo o quinto que a El-Rei meu Senhor e a nós pertence de haver as presas que ele ora tomou, e isto por os doze mil reais que lhe devíamos por outros tantos que deu por um nosso escravo que achou cativo em Génova [...]
In Luís de Albuquerque, Navegadores, Viajantes, Aventureiros
Portugueses, Séculos XV e XVI, Bartolomeu Dias, Editorial Caminho, Lisboa,
1987.
Cortesia de Caminho/JDACT