A Herança d’O Bolonhês
«(…) As operações militares propriamente ditas devem ter tido o seu
início durante a primeira quinzena de Abril, pois no dia 17 desse mês o rei encontra-se
já no arraial instalado sobre Castelo de Vide. Contudo, da forma como
decorreu o cerco, nada se sabe em resultado do silêncio das fontes. Terão os atacantes lançado algum assalto
contra as muralhas? Existiram
trocas de disparos entre sitiados e sitiadores? Terão uns e outros recorrido a engenhos de lançamento de projécteis?
Chegou a ser aberta alguma mina por
parte das forças de D. Dinis? Não o sabemos. Aliás, é muito possível
que a hoste régia tenha, simplesmente, assentado arraiais junto de Castelo
de Vide e aguardado pela sua rendição. Porém, conforme o infante esperava,
o cerco talvez tenha acabado por se arrastar um pouco mais do que o rei previa,
porquanto os dados de que dispomos apontam para uma duração de aproximadamente
um mês, o que parece confirmar que as forças lideradas por Afonso estavam bem preparadas para resistir. Mas conseguiram fazê-lo
apenas até meados de Maio, já que a capitulação terá ocorrido no dia 17 ou 18
desse mês. Parece, no entanto, evidente que não foi pela força das armas que o
rei conseguiu submeter o irmão. De facto, tudo indica que a capitulação de Afonso teve lugar na sequência de
diversas rondas negociais entabuladas entre ambos e para as quais pode mesmo
ter havido, por parte de Pedro III de Aragão e de Sancho IV de Castela, alguma
forma de pressão diplomática junto de Dinis I, no sentido de este procurar
resolver o conflito de forma pacífica.
Sem que as fontes nos revelem como tal aconteceu, tudo indica que o acordo
então alcançado contemplou, no imediato, a partida de Afonso para Sevilha, para junto de sua mãe e de seu avô, o rei
Afonso X de Leão e Castela, com os quais se encontrava já no início de Outubro
de 1281. É precisamente ali que
nomeia como seus procuradores Vasco Peres Farinha e Rui Pais Bugalho,
para negociarem com o rei o acordo de pazes definitivo. O acordo foi então
negociado e firmado na cidade da Guarda, em 14 de Novembro de 1281, e finalmente assinado pessoalmente
pelos dois irmãos desavindos, em Monforte, no dia 31 de Janeiro do ano
seguinte e ratificado no dia 2 de Fevereiro, na vila de Estremoz. De
entre todas as condições impostas ao infante e estipuladas no acordo
destacava-se, como seria de esperar, a demolição das estruturas defensivas
indevidamente erguidas em Castelo de Vide, o que deveria, conforme o
compromisso assumido pelo infante em Arronches no dia 8 de Fevereiro,
ser feito entre a Páscoa e o Pentecostes desse ano de 1282.
Contudo, era também no plano ideológico que Dinis I se impunha ao infante, que se via, assim, praticamente
obrigado, por um lado, a aceitar que fosse o monarca a investi-lo como cavaleiro
e, por outro, a ingressar na vassalidade régia, mas com a contrapartida de
passar a receber uma quantia anual de 35 000 libras, em terras, panos e
numerário, o que certamente contribuiu para atenuar o peso da derrota. Mas
apesar de não ter conseguido o seu objectivo principal, ou seja, manter intactas
as recém-erguidas torre e muralha de Castelo de Vide, o infante não
perdeu qualquer porção do seu senhorio, do mesmo modo que não foi privado de
qualquer uma das tenências que detinha. Ainda que claramente subalternizado e
colocado numa situação de clara dependência feudo-vassálica em relação ao rei, Afonso sairia deste conflito consideravelmente
mais enriquecido e, acima de tudo, com a certeza de que dispunha de meios
suficientes para desafiar o seu irmão Dinis.
Tudo indica que, na sequência deste acordo, as relações entre ambos voltaram
a assumir alguma normalidade e mesmo, admitimos, uma certa cordialidade, como
se percebe pela presença regular de Afonso
na corte, algo que se observa através da extensa lista de testemunhas e confirmantes
que habitualmente encerra boa parte das cartas do monarca e onde o infante é
figura habitual. Sinal de que os problemas estavam, pelo menos da parte do
rei, ultrapassados, é também a circunstância de continuar à frente das
tenências de Lamego e da Guarda. Mas a prova cabal de que, na perspectiva do
monarca, o episódio de Castelo de Vide estava completamente sanado e não
iria ensombrar as relações entre os dois irmãos é o facto de ter sido ao
infante e ao alferes-mor do rei, o conde Gonçalo Garcia Sousa, que Dinis atribuiu a importante missão de
ir receber D. Isabel de Aragão em Bragança, em Agosto de 1282, acompanhando-a depois no trajecto
até à vila beirã de Trancoso, onde viria a realizar-se o casamento real, e onde
Afonso terá também estado presente,
tal como nas festividades que antecederam e que se seguiram à cerimónia». In
Miguel Gomes Martins, Guerreiros Medievais Portugueses, A Esfera dos Livros,
Lisboa, 2013, ISBN 978-989-626-486-4.
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