quarta-feira, 11 de maio de 2016

Dominus. Tom Fox. «Apenas o tinham fortalecido, e o homem que os ‘media’ tinham denominado com crueldade “o papa aleijado” era tanto mais amado pelo seu rebanho…»

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Basílica de São Pedro. Cidade do Vaticano: domingo, manhã
«Ele não desceu dos Céus com trompetes. Os anjos não começaram a cantar. O Sol não escureceu, e a estrutura da antiga basílica permaneceu incólume. Entrou devagarinho, sem fanfarra, embora a cada passo que desse o mundo começasse a mudar. Não que a sua aparência exterior desse qualquer indicação do que estava para vir. Um homem despretensioso com calças de ganga gastas. Uma camisa cinzenta, ligeiramente amarrotada. Os sapatos moderadamente estafados. Ele dava tudo menos nas vistas. Mais tarde, ninguém conseguia lembrar-se de o ver entrar na Basílica de São Pedro. Nem um, dos milhares que ali se juntaram, o viu passar pela ampla porta ocidental, nem entrar no grande espaço concebido para reflectir a reunião gloriosa do Céu e da Terra. A única coisa de que se lembravam foi da maneira como a sua caminhada silenciosa lhes tinha chamado a atenção quando já se encontrava entre eles. Mas da sua atitude, ali no coração secular da Cristandade, lembravam-se de cada detalhe. A maneira como se deslocava calmamente pela nave central durante a Missa Solene pontifícia. A maneira como homens e mulheres se tinham inconscientemente afastado para lhe abrir caminho, enquanto os seus filhos tentavam chegar a ele, inexplicavelmente atraídos. A maneira como todos fizeram silêncio quando ele se aproximou, e como os seus olhares se demoraram nele, enquanto se deslocava. Lembravam-se disso.
A sua postura mostrava determinação, embora caminhasse despreocupadamente pelo meio da multidão. O cabelo com apenas alguns centímetros de comprimento, ligeiramente ondulado e com tons de castanho-dourado, parecia estranhamente claro na luz alaranjada da igreja antiga. Ao deslocar-se na direcção do grande baldaquino de Bernini, os seus olhos olhavam em frente. Suaves e serenos, mas fortes. Todos se lembravam dos seus olhos. Na outra extremidade da nave de 211 metros, estava o celebrante principal da missa, todo de branco reflectindo a luminosidade, dobrado sobre o altar-mor. Embora a sua debilidade corporal transmitisse a mensagem eficazmente por si só, o magnífico trabalhado de bronze por cima dele reforçava o facto de que, apesar de toda a fama e poder mundanos do pontífice, era, mesmo assim, uma figura menor perante a majestade de Deus.
Estava rodeado por dois cardeais concelebrantes, e entre eles e ele estavam os habituais auxiliares que iam para todo o lado com o papa atormentado pela doença, segurando pelos cotovelos a sua figura torcida nos momentos do culto que exigiam que ele estivesse de pé. Estava longe de ser um idoso, mas o tipo específico de estenose espinhal de que sofria desde criança tinha-o deixado permanentemente desfigurado e incapaz de estar de pé sem ajuda. Os efeitos crónicos dessa enfermidade, contudo, nunca lhe tinham enfraquecido o espírito. Apenas o tinham fortalecido, e o homem que os media tinham denominado com crueldade o papa aleijado era tanto mais amado pelo seu rebanho, quanto mais fraco era o corpo que lhe tornava as suas convicções espirituais interiores tão evidentes. O papa e os seus auxiliares tinham ao seu lado um conjunto de padres e uma corte completa de servidores engalanados com as suas roupagens litúrgicas mais vistosas. Atrás deles, em estrados especialmente construídos para o efeito, os elementos do coro da Capela Sistina enchiam o espaço com o latim angélico do Sanctus. Os próprios anjos, havia mais tarde de lembrar uma idosa, não conseguiriam produzir um som mais glorioso do que aquele.

Santo, Santo, Santo,
Senhor Deus do universo...
Bem-aventurados os que vêm em nome do Senhor.

O estranho dirigiu-se lentamente para a frente. O papa levantou os olhos dos instrumentos do sacrifício sem sangue, o cálice e a patena de ouro martelado, com o seu rosto reflectindo a glória que sentia em cada celebração do culto sagrado. Podia ver-se claramente, quando levantou o pescoço dorido e olhou para os fiéis, com os olhos cor de avelã a reflectirem os reflexos do vinho carmesim do cálice, que o herdeiro da função do Apóstolo Pedro estava completamente absorvido no sacrossanto rito litúrgico. Só quando olhou por cima do seu rebanho é que o pontífice viu a aproximação do estranho pela primeira vez. Foi, então, que o inexplicável começou a acontecer. À frente da fila de cadeiras na nave central da basílica, logo a seguir às cordas vermelhas que mantinham os fiéis a uma distância respeitável das eminências clericais, os vívidos uniformes cerimoniais azuis, vermelhos e laranja da Guarda Suíça formavam uma meia-lua à frente do altar-mor. Os homens dentro dos uniformes, que pareciam saídos de um carnaval renascentista, figuravam entre os elementos de protecção militar mais devotados e mais bem treinados do mundo». In Tom Fox, Dominus, 2015, tradução de Ângelo Santana, Topseller, 20/20 Editora, ISBN 978-989-883-913-8.

Cortesia de Topseller/20/20 Editora/JDACT