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A morte do Inquisidor-Geral
«(…) Os retábulos de Santa
Cecília, de S. Jerónimo, de S. João, de novo o de S. Pedro Mártir, agora com o
relato do martírio, e ainda o retrato de frei Fernando Cruz, sobrinho do
moribundo, enfeitam as paredes da antecâmara. Os livros da livraria, dominada pelo
retrato de S. Tomás, haveriam de render 645 820 réis. Na mobília, o bufete em
que escrevo, o contador de pau-santo onde guarda 700 000 réis em ouro e mais
200 moedas antigas de ouro, afora os 800 000 que tinha o secretário Diogo Velho
e os 375 000 de dinheiro secreto. Num caixão de pau-santo guarda papéis do Santo
Ofício (maldito) que manda
entregar sob dupla chave ao Inquisidor-Geral que lhe suceder.
As instalações pessoais
compreendiam ainda a cozinha, a copa, o tinelo ou refeitório dos criados com a
mesa do pobre, e ainda as áreas reservadas aos hóspedes.
A dispensa e a cavalariça ficavam
nos fundos. O inventário dá notícia de arrobas e arrobas de passas e figos,
moios e moios de grãos-de-bico, de lentilhas, de feijões, de ervilhas, sete
arrobas de bacalhau, onze arráteis de açúcar mascavado, três barris de
biscoito, arrobas de velas e de cera. Não faltariam o trigo, a carne, o vinho.
Na cavalariça ficavam os animais de tracção, entre eles um macho novo de 90 000
réis, uma liteira grande, uma liteira pequena, o coche e a carroça da água.
Em viagem, a cavalo, de coche ou
de liteira, os criados embalavam nos baús de caminho as comodidades do amo e as
alfaias da capela. Nestas, a cruz de prata de altar, os castiçais de prata, a
caixa de hóstias dourada, um abano com pau de prata, as vestimentas de tafetá
de diferentes cores, uma capa de tafetá da Índia branca e roxa com franjas de
ouro, o missal na sua bolsa de couro, o Evangelho de S. João, duas bolsas de
veludo negro para as esmolas. A cama de caminho em damasco azul seguia em duas
caixas. Noutras caixas e baús ia o resto do guarda-roupa, onde não faltava um
estojo com as tesouras para a barba e um urinol de prata para o caminho». In
António Borges Coelho, A Morte do Inquisidor-Geral, Editorial Caminho, 2007,
ISBN 978-972-211-888-0.
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