quinta-feira, 21 de novembro de 2019

A Morte do Inquisidor-Geral. António Borges Coelho. «As instalações pessoais compreendiam ainda a cozinha, a copa, o tinelo ou refeitório dos criados com a mesa do pobre, e ainda as áreas reservadas aos hóspedes»

jdact

A morte do Inquisidor-Geral
«(…) Os retábulos de Santa Cecília, de S. Jerónimo, de S. João, de novo o de S. Pedro Mártir, agora com o relato do martírio, e ainda o retrato de frei Fernando Cruz, sobrinho do moribundo, enfeitam as paredes da antecâmara. Os livros da livraria, dominada pelo retrato de S. Tomás, haveriam de render 645 820 réis. Na mobília, o bufete em que escrevo, o contador de pau-santo onde guarda 700 000 réis em ouro e mais 200 moedas antigas de ouro, afora os 800 000 que tinha o secretário Diogo Velho e os 375 000 de dinheiro secreto. Num caixão de pau-santo guarda papéis do Santo Ofício (maldito) que manda entregar sob dupla chave ao Inquisidor-Geral que lhe suceder.
As instalações pessoais compreendiam ainda a cozinha, a copa, o tinelo ou refeitório dos criados com a mesa do pobre, e ainda as áreas reservadas aos hóspedes.
A dispensa e a cavalariça ficavam nos fundos. O inventário dá notícia de arrobas e arrobas de passas e figos, moios e moios de grãos-de-bico, de lentilhas, de feijões, de ervilhas, sete arrobas de bacalhau, onze arráteis de açúcar mascavado, três barris de biscoito, arrobas de velas e de cera. Não faltariam o trigo, a carne, o vinho. Na cavalariça ficavam os animais de tracção, entre eles um macho novo de 90 000 réis, uma liteira grande, uma liteira pequena, o coche e a carroça da água.
Em viagem, a cavalo, de coche ou de liteira, os criados embalavam nos baús de caminho as comodidades do amo e as alfaias da capela. Nestas, a cruz de prata de altar, os castiçais de prata, a caixa de hóstias dourada, um abano com pau de prata, as vestimentas de tafetá de diferentes cores, uma capa de tafetá da Índia branca e roxa com franjas de ouro, o missal na sua bolsa de couro, o Evangelho de S. João, duas bolsas de veludo negro para as esmolas. A cama de caminho em damasco azul seguia em duas caixas. Noutras caixas e baús ia o resto do guarda-roupa, onde não faltava um estojo com as tesouras para a barba e um urinol de prata para o caminho». In António Borges Coelho, A Morte do Inquisidor-Geral, Editorial Caminho, 2007, ISBN 978-972-211-888-0.

Cortesia de ECaminho/JDACT