Cortesia de wikipedia
e jdact
«(…) Queres morrer?,
recriminou-o num alemão polido. Não!, respondeu Niklas, ignorando a obviedade
da resposta. Já nem na casa de Deus se está seguro, ironizou Luka com um
sorriso. Tudo ficou em suspenso durante alguns minutos. Niklas arquejava com os
nervos e não reparava na calma dos dois padres que o acompanhavam, mas também
quem o faria perante tal situação? Consegues ver alguma coisa?, perguntou o
desconhecido. Luka fez que não com a cabeça. O desconhecido, que estava ao lado
de Niklas, enfiou a mão dentro da batina e retirou uma Beretta Cougar 8000 de 9
mm. Niklas sentiu os cabelos loiros eriçarem-se de medo. O coração ia rebentar,
tal era a força com que pulsava. O pior foi quando viu o padre Luka, professor
de teologia e seu mentor no Collegium Germanicum fazer o mesmo. Se percebesse alguma
coisa de armas saberia que era uma 85FS Cheetah. Niklas estava a ponto de não
segurar a bexiga. Quem são vocês?, conseguiu perguntar, numa voz,
simultaneamente, de pavor e ultraje. O padre desconhecido olhou para ele muito
calma e cautelosamente, e avançou pela frente do confessionário. Nesse preciso momento
tombou com a cabeça desfeita para o lado esquerdo, derrubando algumas cadeiras.
Segundos depois, foi Luka que caiu para trás e embateu numa coluna da capela de
Nossa Senhora do Sagrado Coração. Os olhos abertos a mirar o vazio, esvaídos de
vida, a cara salpicada de sangue. Dois tiros na testa. O jovem padre não
conseguia acreditar no que estava a acontecer.
A porta do confessionário
abriu-se com violência, o que fez Niklas dar um salto de pavor. Não saberia
dizer se gritou ou não. Do interior da estrutura de madeira saiu um homem que
segurava uma arma estranha com mira telescópica. Sorriu para Niklas e pegou no
telemóvel para enviar uma mensagem. A primeira fase estava concluída. Depois
tirou um post-it azul do bolso e
colou-o na porta do confessionário. Tirou a luva de uma das mãos para
cumprimentar o jovem padre que estava em estado de choque, sem conseguir
desviar o olhar dos corpos. Niklas nem se apercebeu da mão forte do homem que
estava à sua frente. O Francês sentia-se curioso em relação ao jovem padre
alemão. Uma curiosidade que era insubordinação no seu estado mais puro. O
Francês era um insubordinado de si próprio, já que não respondia perante mais
ninguém. E se tivesse sido abençoado com o dom da fala, perguntaria ao jovem
padre alemão porque razão entregara a sua vida a Deus.
Para Jacopo Sebastiani as noites
serviam para dormir, excepto ao início da noite de sexta-feira que serviam para
cumprir as prerrogativas conjugais com Norma, com quem era casado há mais tempo
do que aquele que conseguia lembrar. Era, por isso, uma imbecil anormalidade,
segundo palavras dele, ter de se levantar da cama por estarem a tocar à
campainha e a bater à porta, incansavelmente. Olhou o relógio da
mesa-de-cabeceira e esfregou os olhos para ver se eram mesmo quatro e vinte da
madrugada. Raios. Seguramente
fora a sonolência que lhe refreara a irritação. Norma ressonava virada para o
outro lado. Era o bom que ela tinha. Se um dia um cataclismo varresse o prédio,
Deus o livrasse, ou quem quer que fosse a entidade que geria essas preces, não
teria de se preocupar em salvá-la. Morreria tranquilamente, na paz do sono
revigorante da eternidade. A imbecil anormalidade apresentou-se na forma de um
jovem, aparentemente adolescente, que continuou a carregar na campainha mesmo
depois de Jacopo ter aberto a porta. Foi ele quem sacudiu a mão do rapaz do
botão. O miúdo transpirava e parecia que subira ao quarto andar pelas escadas,
por causa da forma como arfava. Jacopo reconheceu-o. Era um dos lacaios da
câmara pontifícia, um criado do Papa.
Que queres?, perguntou com maus
modos. Não devias estar a dormir ou a rezar ou…? Lá o que fazes à noite…? O rapaz não
conseguiu articular uma palavra. Estava ainda a recuperar o fôlego». In Luís Miguel Rocha, A Filha do Papa, Porto Editora, 2013,
ISBN 978-972-004-411-2.
Cortesia de
PEditora/JDACT