quinta-feira, 28 de novembro de 2019

A Diplomacia Portuguesa no Reinado de D. Afonso V (1448-1481). Douglas M. Xavier Lima. «A diplomacia, entendida como método de negociação de interesses divergentes, uma arte da negociação, é muito antiga…»

Cortesia de wikipedia e jdact

Com a devida vénia ao Doutor Douglas Xavier Lima

«Nada a temer
Senão o correr da luta
Nada a fazer
Senão esquecer o medo
Abrir o peito à força
Numa procura
Fugir às armadilhas da mata escura
Longe se vai sonhando demais
Mas onde se chega assim
Vou descobrir o que me faz sentir
Eu, caçador de mim». In Milton Nascimento

«A pesquisa investiga diferentes aspectos da prática diplomática quatrocentista, estruturando-se em três eixos: as instituições que assessoravam o monarca nos assuntos diplomáticos; os homens escolhidos como embaixadores; e as práticas diplomáticas, entendidas como os mecanismos de negociação e as cerimónias da diplomacia. Buscou-se, desta maneira, compreender o funcionamento da diplomacia numa época considerada como passagem da diplomacia medieval para a diplomacia moderna, notando ainda o seu papel como campo de exercício e afirmação do poder régio português. O recorte temporal concentra-se no reinado de  Afonso V, tendo como ponto de partida o fim da regência (1448) e, como limite, a morte do monarca (1481). Fez-se uso de diferentes documentações, como crónicas, narrativas de viagens, tratados, genealogias e fontes normativas. Esse variado corpus documental permitiu alcançar diferentes aspectos da diplomacia medieval quatrocentista, notando a importância institucional na condução dos assuntos externos, o crescente impacto da diplomacia para as finanças do reino, a definição de um perfil de embaixador letrado associado ao espaço cortesão, o uso de diferentes mecanismos de negociação, e a promoção da imagem externa do reino através das cerimónias diplomáticas». In Resumo

«A morte do infante Pedro na batalha de Alfarrobeira representou um abalo para as alianças externas de Portugal, visto que tais relações estavam estruturadas em torno de vínculos pessoais e laços de parentescos. Estes, envolviam a figura do Infante e foram construídos com a contribuição da viagem do duque de Coimbra pela Cristandade entre 1425 e 1428. Com essa conclusão terminamos a dissertação O infante D. Pedro e as Alianças Externas de Portugal (1425-1449) (2012), investigação que permitiu perceber as relações diplomáticas quatrocentistas como uma prática multifacetada, não apenas restrita a guerras, a assinaturas de tratados e ao envio protocolar de embaixadas. Pelo contrário, o estudo da viagem do infante Pedro abriu-nos, por exemplo, a perspectiva de observar que os Estados não eram os únicos actores no plano das relações externas, que os embaixadores não tinham um ofício definido, e que elementos como parentesco, amizade, oralidade, gestualidade, eram aspectos centrais de pesquisa. Paralelamente, algumas leituras foram fundamentais para a construção da nova investigação. Em primeiro lugar, o livro de Stéphane Péquignot, Au nom du Roi. Pratique diplomatique et pouvoir durant le règne de Jacques II d’Aragon (1291-1327) (2009), obra que se tornou paradigmática da nova história da diplomacia medieval. O texto tem como uma das principais contribuições abordar a diplomacia como prática. Nessa via, o autor analisa os documentos da diplomacia real, a circulação de informações, a relação entre a diplomacia e as finanças reais, a escolha e a definição dos embaixadores de Jaime II de Aragão, entre outros aspectos ainda pouco explorados no âmbito geral dos estudos medievais. Outrossim, o contacto com Faire la Paix au Moyen Âge. Discours et gestes de paix pendant la guerre de Cente Ans (2007), de Nicolas Offenstadt, foi igualmente instigador. Ao analisar o tradicional tema da Guerra dos Cem Anos, o autor trouxe para o primeiro plano discussões sobre os gestos, os sentimentos, os valores, os discursos e as cerimónias, elementos que, por vezes, passam despercebidos nos estudos sobre a diplomacia na Idade Média. Acrescenta-se que as obras de Péquignot e de Offenstadt resultaram de teses de doutorado, dado que também suscitou o interesse de conseguir desenvolver uma pesquisa levando em consideração o mesmo universo de interrogações. Por fim, citamos ainda a relação com as publicações ligadas aos projectos Genèse de l’État moderne (1984-1988) e Origins of the modern State (1989-1992), em especial as obras État et Église dans la genèse de l’État moderne (1986), L’État moderne: genèse. Bilans et perspectives (1990) e Las élites del poder y la construcción del Estado (1997). Esse conjunto de reflexões, além de promover uma releitura acerca das estruturas políticas entre o medievo e o período moderno, empreendeu importantes discussões sobre a história social do Estado na Baixa Idade Média e sobre o papel das assembleias representativas e da fiscalidade para o processo de formação do Estado no Ocidente. Tendo o tema da diplomacia sido abordado apenas no volume War and Competition between States (2000), tais discussões levantaram o interesse em aprofundar a reflexão sobre a relação entre a diplomacia e a génese do Estado moderno.
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Novos Olhares sobre a Diplomacia Medieval. Uma Nova História da Diplomacia Medieval
«Diplomacia, Relações Internacionais, Política Externa..., termos que ao longo do século passado o medievalista acostumou-se a evitar como temas de pesquisa. Contudo, houve tempos em que estas questões orientavam a maior parte dos historiadores, fossem eles dedicados aos séculos ditos medievais ou não. Que caminhos levaram a essa mudança de quadro historiográfico? A fim de melhor compreender o movimento de renovação e retomada de tais temas pelos medievalistas, convém, primeiramente, tratar da relação entre História e Relações Internacionais.
A diplomacia, entendida como método de negociação de interesses divergentes, uma arte da negociação, é muito antiga e tem como um dos primeiros vestígios um documento diplomático que data de c.2500 a.C.. Nele consta uma mensagem enviada do reino de Ebla para o reino de Hamazi, localizado ao norte do actual Irão. A actividade diplomática no Egipto faraónico, a narrativa de Tucídides acerca da Guerra do Peloponeso, ou mesmo as relações externas desenvolvidas pelas poleis gregas e pelo Império Romano são ainda exemplos de que a antiguidade conheceu práticas ou mesmo um sistema diplomático. A própria palavra diplomacia é uma derivação do termo diploma, cujo significado é dobrar. No Império Romano, os documentos oficiais eram timbrados, dobrados e costurados, sendo nomeados diplomas, e o termo, ao longo do tempo, foi ampliado a outros documentos de Estado. Além disso, os ofícios ligados à conservação e organização dos diplomas ficaram conhecidos, de forma genérica, como res diplomatica. Esses elementos indicam as origens antigas e medievais da prática e da palavra que ganhariam os seus contornos modernos através de Edmund Burke, em 1796. Como argumentam Guilherme Silva e Williams Gonçalves, ainda que haja variações acerca dos grandes períodos da diplomacia, é possível a distinção de quatro momentos pelos estudiosos: da Antiguidade ao século XV; do século XV ao Congresso de Viena (1815); do Congresso de Viena à Conferência de Versalhes (1919); e da Conferência de Versalhes aos dias actuais. Destarte, a inserção cronológica da pesquisa se dá no primeiro período da história da diplomacia, o qual se distingue dos demais, pela inexistência das embaixadas permanentes e da dimensão jurídica das relações internacionais, expressa a partir de Westfália (1648), além de não ter a soberania como atributo exclusivo do Estado». In Douglas M. Xavier Lima, A Diplomacia Portuguesa no Reinado de D. Afonso V (1448-1481), Tese de Doutoramento História Medieval, Universidade Federal Fluminense, Departamento de História, Niterói, 2016.

Cortesia de UFFluminense/DHistória/JDACT