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Mulher que Amou Jesus
«(…) E Jacob amava Raquel.
Porquê? Havia acabado de a conhecer. Ela só tinha dado água às suas ovelhas. Isso
foi há muito tempo e não passa de uma lenda. Teria de se esforçar um pouco
mais. E por amor a Raquel, serviu Jacob sete anos; e estes lhe pareceram como
poucos dias, pelo muito que a amava. É uma história verdadeira, Maria. Acontece
o tempo todo. Aconteceu comigo. Fez uma pausa, encabulado, tentando recuperar a
dignidade. Trabalho no armazém há quase três anos! Quase a metade do tempo que
Jacob serviu a Raquel. Agora era a vez de ela ficar encabulada. Espero que não
tenha sido por isso que trabalha lá. Não, me senti atraído pelo ofício. Gosto
da ideia de alimentar as pessoas, trabalhar com uma coisa que é necessária,
assim como ter a oportunidade de viajar e conhecer novos fregueses. O mundo é
muito grande, Maria. Grande demais para me contentar em nunca sair da Galileia,
por mais bonita que seja esta terra. Ele desejava conhecer o mundo,
aventurar-se além dos limites do negócio do peixe. Já saíra de Naim e escolhera
um ofício que não era o de seu pai. Também era assim que ela se sentia, atraída
por alguma coisa bem distante. Eles eram iguais: inquietos, procurando
espíritos. Compreendo. Agora, teria de dar a sua resposta. Sinto-me honrada com
o facto de ter pensado em mim como Raquel. E, como Raquel, consinto em me casar
com você. Mas não confio nesse tipo de decisões que você descreveu. Ah, Maria,
então eu espero..., que um dia..., quando você vier a compreender, serei eu que
estarei no círculo de sua escolha. Por ora, basta-me que você tenha dito que
sim. Sou um homem de sorte.
Ela não o considerava um homem de
sorte, e sim iludido. E se ele soubesse de um dos motivos pelos quais ela se
dispusera a sair da casa dos pais, não ficaria contente. Mas sentia-se
aliviada. Tudo iria dar certo. As dores de cabeça, as insónias, as confusões
iriam sumir, podia senti-lo aqui mesmo, na luz do dia. Ficaria livre de tudo
aquilo. Joel a levaria embora da casa que a assombrava. Ao invés de se sentirem
menos encabulados, as palavras solenes que haviam acabado de pronunciar faziam
que se sentissem, agora, ainda menos à vontade um com o outro. Mas continuaram
caminhando, resolutos, tentando parecer tranquilos. O sol brilhante fora
encoberto pela passagem de umas nuvens, o que fazia o lago parecer um mosaico
de cores distintas. Um vento suave fazia balançarem os juncos e as urtigas que
cresciam junto ao caminho. Uma pedra de culto!, disse Joel, de repente,
apontando para um objecto preto, arredondado, quase escondido atrás de uns
arbustos. Tinha um buraco na parte de cima e parecia uma âncora de pedra, mas
maior. Olhe! Nunca vi um num lugar como este! Aproximou-se, com cuidado, como
se esperasse que o objecto se movesse. O que quer dizer com isso? Não é uma âncora
velha? Maria já vira coisas parecidas, mas não se lembrava onde. Não dera muita
atenção. Não. Joel abaixou-se, afastando o mato que crescera à sua volta. Realmente
parece, mas está vendo como é grande? É uma relíquia dos cananeus. Um dos seus
deuses. Ou então, uma oferenda aos deuses. Talvez ao deus do mar, que imaginavam
que morasse aqui no lago. A terra está cheia de ídolos, disse Maria, sem
perceber. Debaixo do chão, à beira de um caminho...
É bom que ainda existam, aqui e
ali, disse Joel. Para nos lembrar de que poderão voltar um dia. Não temos
certeza de nada. Maria sentiu um arrepio de frio, mas conseguiu ocultá-lo. É
verdade, concordou. Não temos certeza de nada. De repente, uma rajada de vento
arrancou a mantilha da cabeça de Maria e, instintivamente, ela cruzou os braços.
Ao fazê-lo, Joel viu os arranhões que ela tentava encobrir. O que é isso?,
perguntou, olhando para eles. Não é nada..., estava pegando um pouco de lenha,
perto da praia, e... E aí? Você lutou com a lenha? Joel sorriu. Nunca se deve
catar lenha sem uma protecção nos braços. E deixou o assunto para lá». In
Margaret
George, A Paixão de Maria Madalena, 2002, Saída de Emergência, Edições Fio de
Navalha, 2005, ISBN 972-883-911-1.
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