domingo, 3 de novembro de 2019

A Verdadeira História. Margaret George. «… quando você vier a compreender, serei eu que estarei no círculo de sua escolha. Por ora, basta-me que você tenha dito que sim. Sou um homem de sorte»

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A Mulher que Amou Jesus
«(…) E Jacob amava Raquel. Porquê? Havia acabado de a conhecer. Ela só tinha dado água às suas ovelhas. Isso foi há muito tempo e não passa de uma lenda. Teria de se esforçar um pouco mais. E por amor a Raquel, serviu Jacob sete anos; e estes lhe pareceram como poucos dias, pelo muito que a amava. É uma história verdadeira, Maria. Acontece o tempo todo. Aconteceu comigo. Fez uma pausa, encabulado, tentando recuperar a dignidade. Trabalho no armazém há quase três anos! Quase a metade do tempo que Jacob serviu a Raquel. Agora era a vez de ela ficar encabulada. Espero que não tenha sido por isso que trabalha lá. Não, me senti atraído pelo ofício. Gosto da ideia de alimentar as pessoas, trabalhar com uma coisa que é necessária, assim como ter a oportunidade de viajar e conhecer novos fregueses. O mundo é muito grande, Maria. Grande demais para me contentar em nunca sair da Galileia, por mais bonita que seja esta terra. Ele desejava conhecer o mundo, aventurar-se além dos limites do negócio do peixe. Já saíra de Naim e escolhera um ofício que não era o de seu pai. Também era assim que ela se sentia, atraída por alguma coisa bem distante. Eles eram iguais: inquietos, procurando espíritos. Compreendo. Agora, teria de dar a sua resposta. Sinto-me honrada com o facto de ter pensado em mim como Raquel. E, como Raquel, consinto em me casar com você. Mas não confio nesse tipo de decisões que você descreveu. Ah, Maria, então eu espero..., que um dia..., quando você vier a compreender, serei eu que estarei no círculo de sua escolha. Por ora, basta-me que você tenha dito que sim. Sou um homem de sorte.
Ela não o considerava um homem de sorte, e sim iludido. E se ele soubesse de um dos motivos pelos quais ela se dispusera a sair da casa dos pais, não ficaria contente. Mas sentia-se aliviada. Tudo iria dar certo. As dores de cabeça, as insónias, as confusões iriam sumir, podia senti-lo aqui mesmo, na luz do dia. Ficaria livre de tudo aquilo. Joel a levaria embora da casa que a assombrava. Ao invés de se sentirem menos encabulados, as palavras solenes que haviam acabado de pronunciar faziam que se sentissem, agora, ainda menos à vontade um com o outro. Mas continuaram caminhando, resolutos, tentando parecer tranquilos. O sol brilhante fora encoberto pela passagem de umas nuvens, o que fazia o lago parecer um mosaico de cores distintas. Um vento suave fazia balançarem os juncos e as urtigas que cresciam junto ao caminho. Uma pedra de culto!, disse Joel, de repente, apontando para um objecto preto, arredondado, quase escondido atrás de uns arbustos. Tinha um buraco na parte de cima e parecia uma âncora de pedra, mas maior. Olhe! Nunca vi um num lugar como este! Aproximou-se, com cuidado, como se esperasse que o objecto se movesse. O que quer dizer com isso? Não é uma âncora velha? Maria já vira coisas parecidas, mas não se lembrava onde. Não dera muita atenção. Não. Joel abaixou-se, afastando o mato que crescera à sua volta. Realmente parece, mas está vendo como é grande? É uma relíquia dos cananeus. Um dos seus deuses. Ou então, uma oferenda aos deuses. Talvez ao deus do mar, que imaginavam que morasse aqui no lago. A terra está cheia de ídolos, disse Maria, sem perceber. Debaixo do chão, à beira de um caminho...
É bom que ainda existam, aqui e ali, disse Joel. Para nos lembrar de que poderão voltar um dia. Não temos certeza de nada. Maria sentiu um arrepio de frio, mas conseguiu ocultá-lo. É verdade, concordou. Não temos certeza de nada. De repente, uma rajada de vento arrancou a mantilha da cabeça de Maria e, instintivamente, ela cruzou os braços. Ao fazê-lo, Joel viu os arranhões que ela tentava encobrir. O que é isso?, perguntou, olhando para eles. Não é nada..., estava pegando um pouco de lenha, perto da praia, e... E aí? Você lutou com a lenha? Joel sorriu. Nunca se deve catar lenha sem uma protecção nos braços. E deixou o assunto para lá». In Margaret George, A Paixão de Maria Madalena, 2002, Saída de Emergência, Edições Fio de Navalha, 2005, ISBN 972-883-911-1.
                                       
Cortesia de SdeEmergência/JDACT