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«(…) Finalmente!, exclamou. Vai
ser necessário seguires essa pista, se percebes onde quero chegar... De facto,
começo a perceber... Também podes interrogar a filha do professor Ericson. Ela
mora no bairro onde tu vivias. O professor Ericson não era judeu, interveio
Jane, como se adivinhasse os meus pensamentos, mas a filha dele converteu-se ao
judaísmo... Veio falar comigo, esta manhã. Bom, tenho de vos deixar, anunciou
Shimon. Até breve, Ary. Avançou alguns passos, parou, voltou-se e acrescentou,
com semblante carregado: penso que voltaremos a ver-nos, mais cedo do que
julgas. Nesse mesmo instante, o homem que parecia dormitar, em frente da sua
tenda, aproximou-se. Dei comigo a pensar se ele ouvira a nossa conversa e se
não fingira dormir quando eu e Jane passámos por ele.
Ary, apresento-te Josef Koskka,
arqueólogo. É horrível, exclamou Koskka, carregando nos erres e revelando,
assim, a sua pronúncia polaca, horrível... Estamos todos... Fiquei muito
abalado com o que aconteceu a Peter. Além de meu amigo, era um grande
investigador, de renome internacional. Não é verdade, Jane? Ela sentara-se numa
rocha. Sim, de facto, é horrível, concordou, num fio de voz. O professor
Ericson tinha inimigos?, perguntei. Sem dúvida, respondeu Koskka. Ele recebera
ameaças recentemente. Certa noite, foi mesmo vítima de uma emboscada. Quiseram
assustá-lo, uns homens que usavam turbante, como os beduínos. E quem eram? Não
sei, mas, durante a sua estada aqui, Peter tinha travado amizade com os padres
samaritanos de Naplusa, porque desejava estudar a recitação que eles faziam de
certas passagens bíblicas. Jane meneou a cabeça tristemente. Anteontem, ele foi
até à minha tenda para me dizer que limpara, com a ajuda de um pincel e de uma trolha,
algumas peças de cerâmica, que achara na copa de Khirbet Qumran. Entre essas peças
havia um jarro, intacto, no interior do qual o professor encontrara fragmentos
de um manuscrito. Estava eufórico, como se fosse tirar do jarro um homem, com
mais de dois mil anos, que lhe revelaria todos os seus segredos em linguagem
arcaica. Jane esboçou um ténue sorriso.
Nunca pensei que este tipo de
investigação fosse tão difícil. As condições de sobrevivência são precárias: a
água rareia, o calor é intenso e, na maior parte das vezes, não encontramos
nada mais do que cacos. Depois, é preciso limpar cada fragmento, tentar
reconstituir a peça a que pertence e tirar daí algumas conclusões. É como
construir um quebra-cabeças ou deslindar um enigma... Mas dizia que o professor
Ericson encontrou fragmentos de um manuscrito num jarro..., atalhou Koskka,
mostrando-se, de súbito, muito interessado na conversa. Ah, sim, desculpe... Jane
fez uma pausa. Fitei o seu rosto marcado pelo cansaço e pela emoção. Josef
Koskka tirou o chapéu e enxugou a testa com um lenço. Gotículas de suor
escorriam e seguiam pelos pequenos sulcos abertos pelas rugas que lhe marcavam
o rosto. Contei-as: uma, duas, três, dispostas na forma de ZI, tau, a última
letra do alfabeto, a da verdade, mas também da morte. Tau representa o fim de
uma acção, o futuro tornado presente. É estranho..., comentou Jane. O professor
disse-me que um dos fragmentos falava de uma personagem do fim dos tempos,
Melquisedec, que o deixara intrigado. Naquela altura, pensei que não era
importante, mas, agora... E depois de tudo o que se passou aqui, há tantos
anos... Está a referir-se à época em que Jesus viveu perguntou Koskka. Sim...
Depois, houve aquelas discórdias, perfeitamente estúpidas, em torno de Jesus e
do Mestre de justiça dos essénios...
Mas
nós nada temos a ver com isso, rematou Koskka. Procuramos o tesouro do Rolo de
Cobre, não o Messias dos essénios. Julgamos, acrescentou Jane, que a soma da
prata e do ouro mencionada no rolo ultrapassa os seis mil talentos... É uma
quantia astronómica, sem igual, comparada com as riquezas da Palestina daquela época...
O equivalente, hoje em dia, a muitos milhões de dólares. Por isso mesmo, esses
fragmentos do manuscrito não se volatilizaram!, concluí. Após um breve silêncio,
acrescentei: Jane, gostaria de visitar a tenda do professor Ericson. Eu
conduzo-te até lá. A tenda era contígua a outra, maior, que servia de
refeitório. Tinha apenas uma cama, onde se achavam espalhados alguns dos seus
pertences, e uma mesa desdobrável. Havia ainda várias peças de roupa, livros e
utensílios diversos dispersos pela tenda, que já devia ter sido revistada pela
polícia. Jane avançou com passos hesitantes. Quanto a mim, reparei na
reprodução de um fragmento aramaico, em cima da mesa desdobrável. Deve ser este
fragmento que o professor Ericson encontrou, murmurou Jane. De que se trata?» In
Eliette Abecassis, O Tesouro do Templo, 2001, Círculo de Leitores, ISBN
972-423-086-4, Editora Livros do Brasil, colecção Suores Frios, 2003, ISBN
978-972-382-671-5.
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