Cortesia
de wikipedia e jdact
Organização
de Eliane Robert Moraes
«Algo
se insinua vermelho aos olhos e se alonga pelos dedos até que um volume encha as
nossas mãos. E esse gesto que nos leva até ele, colocando o corpo em movimento,
ganha mais força quando se vê que o volume é a Antologia da poesia erótica brasileira, editada pela Atelié
e organizada por Eliane Robert Moraes. O erótico aqui começa com outro modo de
ler, o corpo afundando na cama, as folhas rolando entre as mãos, as mãos…
Eróticos não são só os temas dos poemas ou as experiências das quais eles
partem, mas também os afectos que engendram e as implicações entre corpo e
linguagem que trazem à tona. Trata-se, sim, de uma antologia de poesia erótica,
mas que, mais do que isso, mostra um furo no nosso modo contemporâneo de ler
poesia (uma leitura do poema como objecto a ser visto, entendido, interpretado,
decodificado) e aponta para outros modos de habitar o poema com seu ritmo, a sua
corporeidade, os orifícios que ele abre, sua variação de posições, enfim, seu
erotismo (sem o qual, como já disse Octavio Paz, não há poesia).
Garimpando e selecionando o erótico na poesia brasileira, e um capítulo
à parte são os incríveis anónimos ao longo dessa história, entre tantos outros
achados, a antologia explora a sua penetração e alcance com força para
reconfigurar o modo como líamos alguns poemas que sequer considerávamos
eróticos. Desde os mais explícitos aos mais subtis, do cómico ao amoroso, do
obsceno ao paródico, como aponta a introdução, o erótico se dá por cruzamentos
inesperados e relâmpagos perceptivos que dão um novo significado ao mesmo tempo
a experiência sexual e a experiência poética, sem perder de vista as tensas
relações de classe, de género e de espécie que as atravessam. A temática
erótica, portanto, erotiza todos os planos dos poemas. Menos do que descrever
uma cena erótica, esses poemas colocam-se como lugar de partilha entre a experiência
que encenam e a excitação do próprio acto de leitura. À flor da pele, com o
coração na boca, tocando com o ouvido, roçando o gosto das palavras, cedemos
nossos corpos aos poemas e somos sugados pelo seu ritmo, pela dança de sua
prosódia, pelas suas imagens.
Ao mesmo tempo, o
tema obriga, projectamos nossas próprias experiências e ampliamos os limites do
nosso corpo. No corpo a corpo com o poema, esses poemas eróticos nos fazem
mudar constantemente de posição, somos sujeitos e objectos (assim como o poema
é objecto e sujeito), somos leitores e somos lidos, vestimos o poema que nos
despe numa variação de posições que faz sonhar com uma potência infinita de
relações. Explico-me melhor, quer dizer, implico-me. No nível do enunciado,
daquilo que é dito, os poemas accionam experiências corporais ligadas às
relações afectivas, ao sexo, à sedução, à excitação, ao escatológico; mas, além
dessa linha temática, eles se dobram sobre a sua enunciação, isto é, sobre o
dizer por trás do dito, criando uma cenografia enunciativa que, para além da
moldura poema erótico, produz uma nova gramática de afectos e acoplagens entre
as palavras e os corpos, em que o sexo (para além da diferença sexual) penetra
o poema, a sedução se alonga, a excitação ganha contornos, a escatologia abre
orifícios no campo simbólico.
Do ponto de vista
psicanalítico, o que se dá ao longo da antologia é uma abertura ao campo das
pulsões, isto é, aos lugares do corpo onde o somático e o psíquico se tocam
(como propõe Freud). Trata-se de um jogo com os orifícios, as bordas, as zonas
limiares (olho, ouvido, boca, ânus) que são atravessados pela linguagem (eco no
corpo do facto que há um dizer, como quer Lacan). Diria até que esses poemas
vão implicando novos lugares e inventando novas acoplagens (além do olhar, da
escuta, do oral, do anal) que ampliam e transformam esse campo pulsional, como
na linda imagem de uma lira abdominal que dá nome ao ensaio de abertura do
livro, inspirado em poema de Manuel Bandeira.
Ao accionar esses orifícios e seus muitos órgãos de excitação
(mão, gesto, língua, boca, pau, para ficar nos mais comuns e orgânicos), o
campo pulsional é activado, os órgãos ficam eriçados, e os movimentos esboçados
no poema, especialmente o ritmo, cruzam a pulsão (ligada a esses orifícios) com
a pulsação, a organização do movimento, seus modos sempre abertos de produzir
sentido. Entre a pulsão e a pulsação, o erótico produz experiências singulares
dos temas tratados, mas atravessando-os por novos modos de relacionar corpo e
linguagem». In Roberto Zular, Resenha de Antologia da Poesia
Erótica Brasileira, Organização de Eliane Robert Moraes, Revista Teresa de
Literatura Brasileira, 2016, Wikipédia.
Cortesia de
TeresaRBLBrasileira/JDACT