Cópia
da bula Apostolicae Sedis, 1101
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de wikipedia
A
reconquista da cidade e a primeira tentativa de restauração da diocese
«(…) Em Coimbra, a restauração da
diocese, que fora planeada por Fernando Magno e Sesnando, só se
verificou com Afonso VI, que, pelo ano de 1080,
colocou na cátedra da cidade o bispo Paterno. Coimbra foi, pois, a única
das três sedes episcopais portuguesas reconquistadas por Fernando Magno a
conhecer uma efectiva restauração, tendo Paterno sido seguido por toda
uma série de prelados, numa sucessão ininterrupta que vem até aos nossos dias.
Em Lamego e Viseu, pelo contrário, foi necessário aguardar por meados do século
XII para haver prelados nas suas cátedras, tendo ambas as dioceses ficado,
entretanto, subordinados à autoridade da Sé de Coimbra.
A dependência face a Coimbra
A subordinação destes dois
bispados à diocese de Coimbra prendeu-se com vários factores. Em primeiro
lugar, há que ter em conta a importância primordial que esta cidade então
assumia. Antiga sede de condado, mantivera essa primazia ao ser entregue a Sesnando;
a sua conquista transformou-a em guarda avançada da fronteira meridional com os
muçulmanos no extremo ocidente hispânico, papel
que desempenhou até à passagem da linha fronteiriça do Mondego para o Tejo,
em 1147. Coimbra exercia, pois, nas
décadas finais do século XI, uma hegemonia incontestada no território governado
por Sesnando, quer do ponto de vista político, quer do ponto de vista
estratégico e militar. A sua hegemonia eclesiástica seria também desejada
pelo conde moçárabe, que não veria qualquer vantagem em menorizar a importância
da cidade com a restauração de mais dioceses no interior do condado. Importava mais,
ao invés, manter o poder eclesiástico sobre toda a região concentrado nas mãos
de um único prelado, Paterno, com quem Sesnando tinha uma relação
de grande proximidade, e utilizar os rendimentos de Lamego e Viseu para
colmatar a as necessidades de Coimbra, que tinha ainda boa parte dos seus
territórios sob domínio árabe.
Depois da morte de Sesnando,
em 1091, o governo do condado passou
para seu genro, Martim Moniz, sendo poucos anos depois entregue pelo
imperador Afonso VI a Raimundo, e,
em 1096, a Henrique, passando então a integrar o recém-formado Condado
Portucalense [acerca das circunstâncias da sucessão de Sesnando e da
vinda para a Península Ibérica destes dois cavaleiros da Borgonha a quem veio a
ser entregue o governo do ocidente peninsular, ler O condado portucalense;
Portugal no reino Asturiano-Leonês; Dois séculos de vicissitudes
políticas. A emergência de uma unidade política e a conquista da autonomia (1096-1139)].
A situação das dioceses do interior beirão não mudou, porém, com as alterações
políticas sofridas; pelo contrário, a sua subordinação a Coimbra foi ratificada
pela bula Apostolicae Sedis, outorgada
pelo papa Pascoal II, a 24 de Março de 1101,
a favor do bispo Maurício Burdino, bula
essa que, curiosamente, foi a primeira carta pontifícia destinada a um prelado
conimbricense. O governo das dioceses dependentes seria feito por
intermédio de arcediagos ou priores, assim se tem dito, como se os termos
fossem sinónimos. Comecemos por perceber as diferenças entre uns e outros, para
depois vermos o que nos dizem as fontes a este respeito.
A designação de prior, nesta época, em Coimbra, e
centramo-nos em Coimbra por ser o espaço que nos importa de momento, mas o
essencial do que for dito é válido para as outras dioceses do reino, incidia sobre
aquele que presidia ao cabido, e que veio mais tarde a ser chamado deão. De acordo com as mais
antigas informações acerca da organização capitular da catedral de Coimbra, em
finais do século XI, o prior, escolhido de entre os cónegos, tinha a seu cargo
a administração patrimonial, assim como funções que vieram a ser atribuídas ao mestre-escola
e ao tesoureiro. Segundo os estatutos de 1127,
o prior era o encarregado
dos mais diversos aspectos da vida material e litúrgica da comunidade canonical
ligada à Sé. Os arcediagos, por seu turno, eram os oculi episcopi (os olhos do bispo),
encarregados de o coadjuvar na administração dos territórios diocesanos,
visitando-os em seu nome, julgando querelas, prolongando a sua acção pastoral.
Encontram-se documentados na diocese desde cerca de 1090; mas é difícil perceber se têm ou não alguma relação com o
governo de Lamego e Viseu.
Na verdade, a presença dos
delegados de Coimbra na administração destas duas dioceses é muito difícil de
captar. Assim nos mostra, claramente, o exemplo do mosteiro de Arouca, a
instituição monástica do bispado de Lamego que maior número de documentos
conservou: em 93 diplomas referentes ao período de subordinação a Coimbra, um
só faz menção clara à existência de um arcediago à frente do governo de Lamego;
precisamente o mesmo que, entre todos os documentos conhecidos outorgados pelos
condes portucalenses e por Afonso Henriques, é o único a indicar expressamente
os agentes da diocese de Coimbra naqueles dois bispados». In Maria do Rosário B. Morujão, Espaço, Poder e Memória. A Catedral de Lamego, Séculos XII a
XX, Coordenação de Anísio Miguel
Sousa Saraiva, Estudos de
História Religiosa, Centro de Estudos de História Religiosa, Faculdade de
Teologia, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2013, ISBN: 978-972-8361-57-0.
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