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«(…)
Audrianna tentava conservar uma aparência de indiferença diante desse assunto,
mas ao se lembrar de Roger sentia uma mágoa profunda no coração. Eventualmente
não se sentiria mais assim, acreditava. Pelo menos tinha a pequena consolação
de saber que não voltaria a se desiludir-se tanto com alguém. Com o rumo que os
acontecimentos tomaram, homem nenhum voltaria a pedi-la em casamento. Dissera à
mãe que ia viver com a prima Daphne para aliviar a sobrecarga financeira
provocada pela morte do pai, pois a família vira o seu rendimento reduzido às
magras poupanças da mãe. Na verdade, quisera era escapar de uma vida
prisioneira da tristeza e construir uma nova na qual encontrasse um
contentamento adequado às suas actuais expectativas. A multidão do andar de
baixo produzia um barulho suave que chegava aos ouvidos. Ali no segundo andar
nada se ouvia, a não ser uma porta ou outra se fechando. O silêncio a deixava
mais desconfortável. Apesar de ter mais viajantes nos outros quartos. Se o tal
Dominó tentasse alguma coisa inconveniente e ela gritasse, acreditava que a
ajuda chegaria rapidamente. Puxou o xale mais para cima, para se livrar do
frio. Protegida pelo calor da lã, apertou na mão a pistola de Daphne. Levara-a
para tomar coragem, e para que não se repreendesse depois por andar
desprotegida. Infelizmente, sentir o peso da pistola apenas provocou mais um
calafrio. Sebastian pressionou o trinco. Para sua surpresa, ele cedeu. Empurrou
a porta do quarto. Logo à entrada, foi recebido pelo clarão de um candeeiro. A
luz intensa transformava o resto do compartimento em um mar de escuridão.
Avançou para escapar da iluminação agreste. Os olhos foram se adaptando
lentamente. Um fogo baixo na lareira criava o seu próprio contraste de claro e escuro.
Contudo, assim como os quadros que exploravam um efeito semelhante, a escuridão
começava a tomar formas e volumes quanto mais tempo ficava olhando.
Surgiu
a cabeceira da cama de dossel, voltada para a lareira, que assim se uniu aos
pés, banhados pelas chamas. Pregos mostraram-se na parede ao lado da porta,
segurando tecidos. Os cantos do quarto revelaram finalmente o seu conteúdo. Uma
mesa. O vulto pesado de um roupeiro. Contornos ténues no outro canto ganharam
forma, mais próximo da luz da lareira. Compuseram algo que reconheceu. Uma
mulher. A presença deteve-o. Presumira que o Dominó era um homem. Um erro
desculpável, afinal, mas era uma opinião infundada. A descoberta de que o
Dominó era apenas uma mulher animou-o imediatamente. Ficaria rapidamente
sabendo aquilo de que precisava e a reunião não tomaria tempo. Abriu um sorriso
que cativara muitas mulheres no seu tempo. Dirigiu-se para a lareira. Por
favor, fique aí, disse ela. Devo insistir. Era sério? Aquilo o fez sorrir ainda
mais. Ela tinha uma voz jovem. Sem ser imatura, no entanto. Com mais atenção,
conseguiu distinguir melhor a aparência dela. Cabelo escuro. Talvez aquela cor
interessante em que o ruivo invade o castanho, como a tonalidade do cavalo
alazão. Difícil avaliar a idade, mas parecia de vinte e poucos. O rosto parecia
bonito, mas àquela luz a maioria das mulheres seria atraente. Um xaile escuro
cobria o colo e o peito. O vestido parecia ser cinzento ou alfazema e era
bastante simples, pelo que via. Ia apenas me aquecer perto da lareira,
esclareceu ele. A viagem me deixou encharcado. A cabeça dela inclinou-se para
trás ao ponderar a explicação dele. Até à lareira, então. Sem chegar mais
perto. Ele tirou a capa. Ela ficou visivelmente assustada. É para eu pendurá-la
e secar, se não se importar, explicou ele.
Ela
assentiu com a cabeça. Pendurou-a num dos pregos. Habituado agora à luz do
quarto, conseguiu perceber que as outras roupas que estavam penduradas eram uma
capa e peliça de mulher. Aproximou-se do fogo e fingiu se concentrar no calor
que emanava, mas observava-a de esguelha. Sorriu novamente para ela quando se
virou de costas para o fogo. Ela mexeu-se por baixo do xaile. Devo avisá-lo de
que tenho uma pistola. A voz dela tremia de ansiedade. Fique descansada que não
irá precisar dela. Ela não pareceu convencida. Olhos verdes, pensou ele.
Mostravam determinação e algum medo. O último era bom sinal. Indicava que ela
não era estúpida, e um pouco de medo teria utilidade. Esperava um homem,
retomou ele. Mr. Kelmsleigh não estava disponível, por isso vim no lugar dele.
Creio que pretende ser recompensado pelas informações que tem e estou preparada
para pagar se a soma for razoável. Ele disfarçou a reacção de surpresa. Ela
pensava que ele era o Dominó. O que significava que ela, obviamente, não
era. Nunca acreditara que a má pólvora que chegara à frente de batalha se
tratasse de mera negligência da parte de Kelmsleigh, embora uma negligência
dessas fosse grave a ponto de acabar com um homem. Suspeitava, sim, de conspiração
e fraude, e duvidava de que Kelmsleigh tivesse concebido e controlado o
esquema. Ainda assim, nunca esperara que houvesse mulheres envolvidas. Agora
esta cúmplice indicava que havia pelo menos uma. Só que, quem era ela? Sua
identidade podia fornecer uma ligação com as outras pessoas envolvidas no
esquema. Ela observava-o cautelosamente. Agora conseguia ver melhor o medo
dela. Não era o que ele esperava, mas supôs que também era uma surpresa para
ela». In Madeline Hunter, Deslumbrante, Edições ASA, 2013, ISBN
978-989-232-372-5.
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