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O exército, derrotado pelo fogo, recorreu, em alternativa, aos elementos terra
e água. Trabalharam como escravos sob o calor do sol e o frio das noites.
Cultivaram, como lavradores, os campos pelos quais pensaram que avançariam
triunfantemente. Esperava-se que todos, cavalaria, oficiais, generais, os
grandes senhores do país. Os primos do rei, trabalhassem sob o calor do sol e
se deitassem no chão duro e frio à noite. Os Mouros, observando das ameias
altas e impenetráveis do forte vermelho construído na colina, sobre Granada,
admitiram que os Cristãos tinham coragem. Ninguém poderia dizer que não eram
determinados. E todos também sabiam que estavam condenados. Nenhuma força
conseguiria conquistar o forte vermelho de Granada, nunca caíra em dois
séculos. Fora construído no alto de um rochedo, sobre uma planície que era uma
bacia ampla e alva. Não poderia ser surpreendida por um ataque disfarçado. O
rochedo de rocha vermelha que ascendia da planície transformava-se imperceptivelmente
nas paredes de pedra vermelha do castelo, elevando-se cada vez mais alto; não
havia escadas que atingissem o topo, ninguém conseguiria escalar uma encosta
tão abrupta. Talvez pudesse ser atraiçoado por um traidor; mas quem seria louco
ao ponto de abandonar o poder firme e sereno dos Mouros, com todo o mundo
conhecido atrás de si, com uma fé inegável a apoiá-los, para se juntar à
loucura raivosa do exército cristão cujos reis possuíam apenas alguns hectares
montanhosos da Europa e que estavam desesperadamente divididos? Quem quereria
abandonar al-Yanna, o jardim, que era a imagem do próprio Paraíso, dentro das muralhas
do mais bonito palácio da Espanha, o mais belo palácio da Europa, pela anarquia
rude dos castelos e fortalezas de Castela e Aragão? Da África, chegariam
reforços para os Mouros, tinham amigos e aliados, de Marrocos ao Senegal. O
apoio viria de Bagdade, de Constantinopla. Granada poderia parecer pequena, comparada
com as conquistas de Fernando e Isabel, mas, por trás de Granada, estava o
maior império do mundo, o império do Profeta, louvado seja o seu nome. Mas,
surpreendentemente, dia após dia, semana após semana, aos poucos, combatendo o
calor dos dias de Primavera e o frio das noites, os Cristãos fizeram o
impossível. Primeiro, foi uma capela construída em círculo, como uma mesquita,
uma vez que era o que os construtores locais conseguiam fazer mais rapidamente;
em seguida, uma pequena casa, de telhado plano dentro de um pátio árabe, para o
rei Fernando, a rainha Isabel e a família real: o Infante, o seu precioso filho
e herdeiro, as três filhas mais velhas: Isabel, Maria, Joana, e Catarina, a
bebé. A rainha pediu apenas um telhado e paredes, há anos que participava na
guerra, não estava à espera de luxos. Depois, havia uma dúzia de abrigos em
pedra, em volta, que os grandes senhores aceitaram relutantemente como
aposentos. Em seguida, porque a rainha era uma mulher dura, havia estábulos
para os cavalos e armazéns protegidos para a pólvora e os preciosos explosivos,
comprados em Veneza, pelos quais penhorou as suas próprias jóias; então, e só
então, foram construídas as casernas e cozinhas, armazéns e outros edifícios.
Assim, surgiu uma pequena cidade, construída em pedra, onde antes existira um
pequeno acampamento. Ninguém pensou que seria factível; mas, parabéns! Foi feito.
Chamaram-lhe Santa Fé, e Isabel voltou a triunfar sobre o azar. O amaldiçoado
cerco de Granada, levado a cabo pelos determinados e loucos reis cristãos, iria
continuar.
Catarina.
Princesa ele Gales, deparou com um dos grandes senhores do acampamento espanhol
em conversa sussurrada com os amigos. Que estais a fazer, don Hernán?,
perguntou com toda a confiança precoce de uma criança de cinco anos que nunca estivera
longe da mãe, cujo pai não era capaz de lhe negar nada. Nada. Infanta,
respondeu Hernán Pérez del Pulgar com um sorriso que lhe indicava que podia voltar
a perguntar. Estais sim. É segredo. Eu não digo nada. Princesa! Iríeis contar.
É um segredo tão grande! Um segredo demasiado grande para uma menina pequenina.
Eu não conto nada! A sério que não conto! Pensou. Prometo por Gales. Por Gales!
Pelo vosso próprio país? Por Inglaterra? Por Inglaterra? A vossa herança? Ela
assentiu com a cabeça. Por Gales e por Inglaterra e pela própria Espanha. Bem,
então. Se fazeis uma promessa tão sagrada, vou contar-vos. Jurais que não
contais à vossa mãe? Ela fez sinal com a cabeça, com os seus olhos azuis
escancarados. Vamos entrar em Alhambra. Conheço uma porta, uma portinha
secreta, que não é bem vigiada, onde podemos forçar a entrada. Vamos entrar, e
adivinhai? Ela abanou a cabeça vigorosamente, o seu rabo-de-cavalo castanho a
oscilar sob o véu, como uma cauda grossa de um cachorro. Vamos dizer as nossas
orações na mesquita deles. E eu vou deixar uma Avé-Maria gravada num cartaz que
fixarei ao chão com um punhal. O que vos parece? Era demasiado jovem para
perceber que eles se dirigiam para uma morte certa. Não fazia ideia das
sentinelas em cada porta, da raiva impiedosa dos Mouros. Os seus olhos
brilhavam de entusiasmo. Ides? Não é um plano maravilhoso? Quando ides? Esta
noite! Hoje mesmo!
Não
vou adormecer até voltarem! Tendes de rezar por mim. e depois ir dormir, e, de
manhã, eu próprio voltarei, Princesa, e contarei tudo, a vós e à vossa mãe. Jurou
que nunca adormeceria e manteve-se acordada, bastante rígida na sua cama-berço.
Enquanto a ama se virava de um lado para o outro sobre o tapete junto da porta.
Lentamente, as suas pupilas descaíram até as pestanas repousarem nas bochechas
redondas, as mãozinhas descaídas, relaxadas e Catarina adormeceu. Mas de manhã,
ele não apareceu, o seu cavalo não estava nos estábulos e os amigos estavam desaparecidos.
Pela primeira vez na vida. a menina tomou consciência do perigo que ele correra
perigo mortal, e por nada, além da glória, e para ser tema de uma canção. Onde
está ele?, perguntou. Onde está Hernán? O silêncio da ama, Madilla,
avisou-a. Vai aparecer?, perguntou, subitamente desconfiada. Ele vai voltar?» In
Philippa Gregory, Catarina de Aragão, A Princesa Determinada, Livraria
Civilização Editora, 2006, ISBN 978-972-262-455-8.
Cortesia
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