sexta-feira, 31 de maio de 2024

No 31. Idade Média. Umberto Eco. «Em 476, não tendo obtido do magister militum Orestes (?-476) o estatuto de foederati, os soldados estacionados em Itália elegem Odoacro como rex (c. 434-493) e procedem à deposição do filho de Orestes, Rómulo Augústulo (459-476, imperador desde 475)»

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Da Queda do Império Romano do Ocidente a Carlos Magno

A instalação dos bárbaros

«No campo do direito, embora promulguem leis autónomas, os regna fazem-no num esforço de conciliação do seu direito consuetudinário com o ius romano: a uma primeira fase de coexistência de dois direitos diferentes para duas populações, segue-se a codificação em latim das leis, que já vencem limitações de aplicação e são entendidas como destinadas a toda a população. Ficam-nos como monumentos significativos o Breviarium Alaricianum (506), com que o rei visigodo Alarico II (?-507), soberano desde 484), dá ao seu povo (o primeiro para quem é produzida lei escrita com o Codex Euricianus, de c. 470) um resumo do Código Teodosiano, e as Variæ de Cassiodoro (c. 490-c. 583), que também retomam as formas do édito e do rescrito para testemunhar a actividade legislativa de Teodorico, o Grande. A própria presença de Cassiodoro, de Boécio e de outros membros da elite romana na sua corte já é apontada como sinal do desejo de integração do soberano ostrogodo.

A deposição de Rómulo Augústulo

Em 476, não tendo obtido do magister militum Orestes (?-476) o estatuto de foederati, os soldados estacionados em Itália elegem Odoacro como rex (c. 434-493) e procedem à deposição do filho de Orestes, Rómulo Augústulo (459-476, imperador desde 475). Este acontecimento, que é mais ou menos uma queda sem ruído, como lhe chama Arnaldo Momigliano (1908-1987), está inserido numa trama de longa duração e traz na sua esteira uma história de fragmentação regional, aquisição e desejo de autonomias cada vez mais acentuadas e de uma organização mediterrânica inicialmente integrada, que se desagrega numa série de regiões ávidas de auto-suficiência política e económica.

Ver também: História As migrações dos bárbaros e o fim do Império Romano do Ocidente, Justiniano e a reconquista do Ocidente; O Império Bizantino até ao período do iconoclasmo

Da Cidade ao Campo

A historiografia tradicional vê como um dos sinais do fim da Antiguidade o abandono das cidades e a preferência pelo campo. A realidade das estruturas urbanas tardo-antigas e alto-medievais é bastante mais complexa e deve ser explicada mais em termos de transformação do que de declínio: e facto, motivos propagandísticos, políticos, económicos e eclesiásticos  entrelaçam-se na determinação de um reposicionamento da cidade e do campo nas suas relações recíprocas.

O abandono das cidades

A historiografia tradicional do século XIX considerava o abandono das cidades e a transferência da população para os campos, para os latifúndios dos aristocratas, em conexão com a origem teórica do novo modo de produção feudal, também chamado sistema da curtis, fortemente baseado na auto-subsistência e com o declínio da actividade comercial, um dos traços distintivos da passagem para a Idade Média. Os centros urbanos iriam, portanto, despovoar-se e transformar-se parcialmente em simples aldeias com grandes extensões de áreas rurais até no interior dos muros.

Além disso, a transferência dos ofícios e do comércio para as zonas rurais envolveria a perda da especificidade económica das cidades. Ao contrário do mundo antigo, fortemente urbanizado, em que a cidade, símbolo da vida civil e em sociedade, é o centro de consumo e expedição dos bens produzidos no território circundante (quer se fale de cidade parasitária quer de cidade produtiva, o mundo da alta Idade Média seria, principalmente, rural. Em suma, é necessária uma definição a montante de cidade, não focada unicamente na sua construção, mas na componente política e social: é evidente que certos edifícios típicos da cidade antiga, como o teatro e o anfiteatro, desaparecem, mas este dado é significativo no aspecto cultural, não na definição das instalações urbanas». ». In Umberto Eco, Idade Média, Bárbaros, Cristãos, Muçulmanos, Publicações dom Quixote, 2010-2011, ISBN 978-972-204-479-0.

 Cortesia de PdQuixote/JDACT

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