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de wikipedia e jdact
«A
recente obra de Filipe Alves Moreira intitulada Afonso Henriques e a Primeira Crónica Portuguesa contém, em
relação com uma matéria muito visitada (mais do que estudada ou investigada),
algumas novidades que me parece deverem ser, por um lado, sublinhadas devido à
sua importância histórica, e, por outro, aprofundadas em virtude do seu
carácter inseguro, ou mesmo, a meu ver, discutível ou ambivalente. Ambos os
aspectos merecem ser examinados porque os problemas implicados em cada um
destes pontos de vista revestem uma certa importância histórica. Verifica-se
aqui como o exame atento de certos pormenores aparentemente insignificantes de
um texto pode alterar decisivamente o conhecimento que temos acerca de questões
mais vastas. O texto a que o autor chama Primeira Crónica Portuguesa, cuja
principal versão é a IV Crónica Breve
de Santa Cruz de Coimbra será, com efeito, propõe o autor, a primeira
obra em prosa de conteúdo histórico escrita em português. Evocando
investigações bastante conhecidas, recordemos que a IV Crónica Breve foi
considerada por Lindley Cintra como um texto dependente da chamada Crónica de Veinte Reyes e como
fonte da matéria correspondente do Livro
de Linhagens do conde D. Pedro e da Crónica
Geral de Espanha de 1344, do mesmo autor. Por seu lado, António José
Saraiva, além de aderir à tese de Cintra, apresentava a hipótese, depois
largamente recebida, tanto em obras de divulgação como em obras especializadas,
de a narrativa do conflito entre Afonso Henriques e o legado apostólico (conhecida
também pela versão dramatizada de Alexandre Herculano, com o título de O
Bispo Negro), transmitida tanto pela Crónica dos Veinte Reyes como pela IV
Crónica Breve, se poder considerar como uma versão prosificada de um antigo
cantar de gesta português. Apresentava como prova alguns passos onde julgava
ainda ver marcas da antiga versão oral. Desenvolvia, assim, a opinião de
Cintra, que tentava descobrir nas narrativas recolhidas pelos cronistas do
século XIV vestígios de uma forma épica. O texto de que a IV Crónica Breve
seria o melhor testemunho teria o excepcional valor de preservar os restos de
uma narrativa inspirada pelas gestas castelhanas e remontaria ao princípio do
século XIII. Em terceiro lugar, Diego Catalán Menéndez Pidal, embora tenha confirmado
a relação estabelecida por Cintra entre a IV Crónica Breve e as duas obras
do conde Pedro, o Livro de Linhagens e a Crónica Geral de Espanha de 1344,
provou, sem grande margem para dúvidas, que ela não deriva da dos Veinte Reyes,
mas constitui uma versão de uma fonte comum a ambas, hoje perdida, a que chamou
Crónica Portuguesa de Espanha e
Portugal. Além disso, reconstituiu alguns dos seus elementos primitivos
baseando-se no testemunho indirecto fornecido pelas Chronicas de Acenheiro.
Resumindo
assim, muito brevemente, uma questão histórica importante, e para a qual se
usou até aos anos 80 do século passado, uma enorme bateria de argumentos
inspirados pela crítica textual e pela crítica interna, pode-se perceber,
apesar das evidentes incógnitas, que está em causa não só o nosso primeiro
texto português de conteúdo histórico escrito depois dos velhos anais latinos
de origem clerical, os Annales
Portucalenses Veteres e outros do mesmo género, mas também o primeiro
de todos os escritos em prosa da nossa língua. Embora em ambos os casos os
textos sejam curtos, não podemos ignorar a distância que separa os dois géneros
em que se incluem as primeiras produções historiográficas portuguesas: de um
lado, a lista sincopada, escrita em latim, de acontecimentos datados, típica
dos anais; de outro, a narrativa sequencial, em português, dos feitos de
um ou mais reis como chefes de uma nação, própria da crónica. A importância do
facto contrasta, porém, não se deve esquecer, com a brevidade dos textos.
Mereceriam tão grande investimento de recursos analíticos se não se tratasse de
fontes primordiais? Ora a descoberta, na
década de 80, de um novo manuscrito da célebre Estoria de España de
Afonso X permitiu a Inês Fernández Ordoñez demonstrar que a Crónica de Veinte
Reyes não era, como até então se julgava, uma crónica autónoma, mas uma parte
da chamada versão crítica da mesma Estoria, seguramente redigida sob
orientação do próprio Afonso X, entre 1282 e 1284. Este facto
repercutiu-se sobre a datação do texto perdido intitulado por Diego Catalán
Crónica Portuguesa de Espanha e Portugal, cuja principal versão é, como vimos,
a IV Crónica Breve de Santa Cruz de Coimbra. Pertence a Filipe Moreira o mérito
de ter percebido rapidamente as suas implicações. Recordemos que se tinha
estabelecido, embora de forma mais implícita do que expressa, que se tratava de
um texto não muito anterior aos anos 40 do século XIV, perpetuado por
iniciativa do conde Pedro de Barcelos graças à sua recolha dos materiais que
utilizou para redigir o Livro de Linhagens e a Crónica Geral de Espanha de
1344. Ora, o facto de ter constituído obra autónoma e anterior à Crónica de
Veinte Reyes, escrita antes de 1282-1284, obriga a recuar a data da sua
composição para uns sessenta anos mais cedo. Filipe Moreira soube tirar partido
destes dados. Vejamos, pois, os elementos essenciais da sua tese». In
José Mattoso, A Primeira Crónica Portuguesa, Revista Medievalista, Ano 5,
Número 6, 2009, Instituto de Estudos Medievais, Lisboa, ISSN 1646-740X.
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