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«(….)
Inácio sentiu um calafrio penetrá-lo até à medula dos ossos mas o rosto não
manifestou senão um profundo desprezo. Um momento depois, pela escarpada
encosta de Mont-Serrat caminhavam os sete homens que, conduzidos pelo génio de
Inácio Loiola, viam constituir a famosa Companhia de Jesus, cujos actos e
tenebrosas tiranias haviam de causar o assombro e o terror do mundo.
A
confissão de Diana
O
palácio de Brezé, um dos mais antigos edifícios feudais da parte mais velha de
Paris, perdera havia já muito tempo o esplendor das festas e alegrias, que por
um momento o haviam animado. Quando João Brezé, grande senescal da Normandia,
oferecera a mão de esposo à filha do conde Saint-Vallier, no palácio ressoara o
bulício e a animação das antigas festas; naquelas sala desertas ressurgira uma
nova vida, acordando os ecos adormecido dos festins, por influência duma mulher
nova, bela e sociável. Uma tradição, de que adiante falaremos, circundava a
formosíssima Diana de uma espécie de auréola de grandeza, que tornava mais
brilhantes as festas e as reuniões em que Diana era a rainha. Os senhores mais
grados da corte reuniam-se nas salas do grande senescal, e se Brezé fosse
ciumento, defeito que por fortuna dele não tinha, decerto teria pensado
seriamente nas homenagens que a flor dos cavaleiros franceses tributava à sua
jovem esposa. É certo também que Diana, aceitando aquela corte e comprazendo-se
com aquele tributo de admiração, não dava à maledicência o mais pequeno motivo
para falarem dela. Pelo contrário, mostrava ter pelo marido um afecto tanto
mais para admirar e louvai quanto os cabelos grisalhos do senescal eram mais
próprios para inspirar o respeito filial do que o amor das mulheres. A corte,
de sua natureza maledicente, procurava explicar aquela virtude, que a ninguém
parecia natural; e alguns dos cortesãos mais maledicentes do que os outros,
diziam que, se a formosa Diana fazia tanto alarde do seu amor ao marido, era
para vender mais cara a sua complacência para com outro.
Diana
soube quem foi que dissera aquelas palavras e não se deu por ofendida; mas
naquele coração, que era friamente vingativo e cruel, o nome do homem que a
insultara ficou gravado em caracteres indeléveis, e Diana jurou a si mesma que,
cedo ou tarde, o insolente havia de pagar-lhe a ofensa. João Brezé morreu pouco
tempo depois de ter casado. A esposa mostrou a sua dor em públicas
manifestações de luto, renunciou aos bailes, às festas e a tudo, e transformou
o palácio numa espécie de convento, onde não tinham entrada senão pessoas
sérias, graves e tementes a Deus. Daí a pouco, Paris inteira fazia os maiores
elogios à gentil senhora, que aliava à piedade e à fé da viuvez a mais liberal
beneficência. Sempre vestida de luto, Diana constituía um exemplo para as
senhoras da corte, mais dispostas a enganar os maridos vivos do que a
conservarem-se fiéis à memória dos mortos. No palácio, em que agora vamos
encontrar Diana, reinava absoluto sossego. A gentil viúva não recebia senão
raríssimas vezes e, na ocasião em que vamos entrar nas suas salas, estava ela
conversando com um mancebo, que devia pertencer à mais alta classe social, a
avaliar pelo respeito com que o tratava a altiva condessa. Ah! monsenhor, dizia
ela, pois não reparais neste luto, que me cobre? Isto mostra que renunciei à
vida e às suas pompas; com a minha idade quase que poderia ser vossa mãe… Ah!
monsenhor, aos vossos pés curvam-se hoje todas as belezas de Paris; renunciai a
despertar um pobre coração, que só deseja consagrar-se à sua salvação eterna. E
Diana ergueu os olhos para o céu com uma expressão tão encantadora, que o
mancebo a quem ela se dirigia sentiu-se ainda mais apaixonado. Mas vós não
quereis compreender-me, Diana!, insistia o jovem com uma espécie de impaciência
febril. Eu desejo o vosso amor, não para o ocultar ou envergonhar-me dele, mas
para dele fazer a maior glória da minha vida! Concedei-me o vosso amor, Diana,
e na corte de que hei de ser rei vós sereis a rainha!» In Ernesto Mezzabota, O Papa
Negro, 1947, tradução de Adolfo Portela, Brasil, Exilado dos Livros, Epub, 2001, ISBN 858-671-001-6.
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