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Esta interrupção produziu um sussurro, o qual, graças à presença de Beaumanoir,
não degenerou em tumulto. A maior parte de templários pôs-se do lado de
Burlamacchi; alguns, poucos, mas decididos partidários, rodearam Inácio Loiola.
Irmãos, bradou Francisco Burlamacchi, acabais de ou vir a proposta que vos foi
feita: a escravidão da humanidade e nós convertidos em guardas desses escravos,
e todos de joelhos diante de um chefe supremo, de um chefe misterioso, que do
fundo de uma cela monacal, imporia as suas vontades. E é para isto que a Ordem
há de levantar-se? E é para isso que nós havemos de vencer os potentados da
terra? E foi para isto que destruímos nos nossos espíritos as superstições e a
ignorância? Só nós, de toda a infinita multidão dos nossos irmãos espalhados
pelo mundo, só nós é que fomos iniciados nos terceiros mistérios; só nós que
conhecemos a verdade de tudo isso, que o mundo adora e teme; graças à ciência
que adquirimos, graças às misteriosas tradições, confiados à guarda dos sete
senhores, graças aos imensos tesouros que possuímos, somos os únicos d’entre os
nossos irmãos, os únicos d’entre os mortais, que não estamos sujeitos a nenhuma
lei, a não ser à da morte. E havemos de ter-nos assim elevado tanto, como
miraculosa força, acima do comum dos homens, para afinal ficarmos reduzidos a
obedecer como cadáveres ao sinal de um só de nós?... Um murmúrio de aprovação
acolheu as animadas e quentes palavras do nobre Burlamacchi. Na verdade era
intolerável a pretensão de Loiola!... Eia, pois; prosseguiu Burlamacchi,
levantemo-nos, sim, mas para despedaçar os nossos grilhões, e os de todo o
mundo! Temos em nossas mãos uma força incalculável; aproveitemo-la e façamos
uso dela contra os tiranos de toda a espécie. Os povos nos darão por tal
serviço bem melhor recompensa do que o sombrio silêncio e a tenebrosa humildade
do túmulo! Nós constituiremos na Europa a grande, a verdadeira aristocracia, a
do bem-fazer. Será d’entre nós que as cidades liberais e as nações
ressuscitadas hão de eleger os seus regentes; nós reinaremos, não com as forças
efémeras do embrutecimento e da ignorância, mas com as do reconhecimento e do
afecto. Irmãos! Em nome da fé que depositaste em nós, elegendo-nos para este
supremo cargo, convido-vos a rejeitar as propostas de Inácio Loiola, e a
proclamar aqui, nesta nossa santa assembleia, que a ordem do Templo se
transforma na sociedade secreta dos Pedreiros Livres!
Viva
a Maçonaria!, gritou o príncipe de Conde, saudando com este nome francês,
tradução da denominação proposta por Burlamacchi, a origem de uma sociedade,
que depois havia de ter tanta influência sobre os destinos do mundo. Quase
todos os presentes repetiram o grito de Conde e saudaram e aclamaram
Burlamacchi. Beaumanoir usou então da palavra. Não nos esqueçamos, irmãos, de
que neste concilio todos somos livres. Ninguém é obrigado a aceitar qualquer
mudança, que não seja aprovada pelo seu pensar e pela sua consciência. Que respondes
a isto, irmão Inácio Loiola? Respondo, disse com altivez o peregrino, que estas
cisões não me dizem respeito. Fui irmão da ordem do Templo, observei fielmente
os seus estatutos: agora, que o Templo acabe retiro-me da instituição que lhe
sucede, e em face da Maçonaria, que acabais de proclamar, declaro instituída a
Companhia de Jesus! Este nome, que mais tarde devia tornar-se tão terrível,
repercutiu sonoramente sob aquelas abóbadas; tão forte e solene fora voz com
que Loiola o pronunciara! Ninguém, disse Beaumanoir, ninguém quer acompanhar o
nosso irmão no caminho a que ele quer aventurar-se sozinho? Seis cavaleiros se
levantaram, e foram colocar-se ao lado de Inácio Loiola, que os olhou com um ar
triunfante. Somos sete!, disse ele com um ar inspirado. Pois bem, convosco,
primeiros irmãos, que acreditastes em mim, reparto eu o império do mundo. Somos
bastantes para vencer, e teríamos a certeza da vitória, se não tivéssemos de
lutar contra os nossos antigos companheiros. Irmãos, o beijo de paz! Entretanto,
a voz de Beaumanoir pronunciava friamente os nomes dos que se tinham declarado
prontos a aceitar a proposta i Loiola. Pedro Lefèvre, de Villaret, na
Sabóia. Francisco Saverio, cavaleiro de Navarra. Jacopo Laynez, de Almazar. Afonso
Salmeron, de Toledo. Nicolau Afonso, de Bobadila. Simão Rodrigues, de Avedo.
Na
medida que iam sendo pronunciados os nomes daqueles poucos, Inácio ia-os
inscrevendo num pequenino livro, que tinha na mão. E agora, disse Beaumanoir,
agora, que os dissidentes nos abandonaram, repitamos, irmãos, o juramento de há
pouco, e declaremos que a ordem do Templo se transformou na associação dos
Pedreiros Livres. Os cavaleiros presentes ergueram a mão. Adeus, irmãos; disse
Loiola, com uma voz a que não pôde, por mais que fizesse, tirar um certo tom de
tristeza, por muito tempo estivemos unidos e concordes e agora estamos
divididos em dois campos, que pugnarão com ferocidade sem par um contra o
outro. Pois bem! eu ainda tenho esperança, e peço a Deus que reconheçais
finalmente o vosso erro e vos acolhais todos sob a nossa bandeira, sob a
bandeira de Jesus. Terás que esperar!, resmungou Burlamacchi, o mais indignado,
ao que se via, pela traição de Loiola. Inácio dispunha-se para partir com os
seus companheiros, quando o presidente lhe fez sinal para que esperasse. Monge,
disse ele, deixaste de pertencer ao Templo, mas os juramentos que prestaste à
nossa Ordem têm sempre vigor. Ai de ti, se o segredo que juraste guardar fosse
violado. Inácio voltou-se cheio de desdém, estremecendo como um cavalo, ao qual
o chicote fustiga. Beaumanoir, murmurou ele num tom de voz que a raiva fazia
tremer, em má hora me lembraste, a mim, que não pensava em violá-los, os
juramentos que prestei à Ordem. Esqueceste talvez de que para nós, filiados nos
terceiros mistérios, para nós, que somos os Sete Senhores, não existe lei moral
nem positiva? Esqueceste de que a nossa elevação ao supremo grau nos libertou
de todos os deveres? Pois então, disse ameaçadoramente o ancião, lembra-te de
que, se o juramento te não fizer calar, nós te faremos calar doutra maneira.
Temos irmãos por toda a parte, Loiola, e a ponta dos punhais do Templo ainda se
não embotou». In Ernesto Mezzabota, O Papa Negro, 1947, tradução de Adolfo Portela, Brasil, Exilado dos Livros, Epub, 2001, ISBN
858-671-001-6.
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