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Néfer.
O Silencioso
«(…)
À força de se ocultar nas colinas
que dominavam a aldeia
interdita, Méhi esperara surpreender os rituais de que ninguém falava; a
decepção tinha sido à medida dos esforços realizados. Mas naquela noite,
finalmente, o tão esperado acontecimento! Os dez homens, um atrás do outro,
subiram ao topo da colina de oeste e avançaram lentamente ao longo da falésia
até à garganta onde tinham sido construídas as cabanas de pedra que ocupavam em
certas épocas do ano. Dali, bastava-lhes seguir por um caminho que descia para
o Vale dos Reis. No auge da excitação, o tenente de transportes teve o cuidado
de não fazer rolar cascalho, traindo assim a sua presença. Embora conhecesse a
localização dos postos de observação ocupados por polícias encarregados de
garantir a segurança do vale interdito, Méhi arriscava a vida. Armados com um
arco, os cérberos tinham ordem para atirar à vista e sem intimação. À entrada
daquele lugar, entre todos sagrado, onde, desde o início do Novo Império,
repousavam as múmias dos faraós, os guardas afastaram-se para deixar passar os
dez Servidores do Lugar de Verdade. Com o coração a bater, Méhi trepou uma
encosta íngreme de onde podia ver sem ser visto. Deitado sobre uma rocha lisa,
não perdeu migalha do incrível espectáculo. O chefe de equipa separou-se do
grupo e poisou no chão, em frente da entrada do túmulo de Ramsés, o Grande, o
fardo que transportara desde a saída da aldeia e depois retirou o véu branco
que o cobria. Uma pedra.
Uma simples pedra talhada em forma de
cubo. Dela brotou uma luz tão forte que iluminou o pórtico monumental da Morada
de Eternidade do faraó reinante. O Sol brilhou na noite, as trevas foram
abolidas. Os dez artesãos veneraram longamente a pedra e depois o chefe de
equipa levantou-a, enquanto dois dos seus subordinados abriam a porta do
túmulo. Entrou primeiro, seguido pelos outros artesãos e o cortejo mergulhou
nas profundezas, iluminado pela pedra. Méhi permaneceu tetanizado vários
minutos. Não, não tinha sonhado! A confraria possuía realmente tesouros
fabulosos, conhecia o segredo da luz, ele vira a pedra de onde ela provinha,
uma pedra que não era ilusão nem lenda! Seres humanos e não deuses tinham sido
capazes de a talhar e sabiam utilizá-la... E que era feito dos montões de ouro
que produziam nos seus laboratórios, segundo os rumores que corriam com
persistência? Abriam-se diante do tenente de transportes horizontes
insuspeitados. Agora sabia que a origem da prodigiosa fortuna de Ramsés o
Grande se encontrava ali, no Lugar de Verdade. Por isso a confraria vivia
isolada do mundo, oculta por trás dos muros da sua aldeia.
O que fazes tu aqui, amigo? Méhi
voltou-se sem pressa e descobriu um polícia núbio armado com um cacete e um
punhal. Eu..., eu perdi-me. Esta zona é interdita, declarou o polícia negro.
Qual é o teu nome? Pertenço à guarda pessoal do rei e estou em missão especial,
afirmou Méhi com convicção. Não fui prevenido. É normal... Ninguém devia ser
informado. Porquê? Porque devo verificar se as normas de segurança são
aplicadas com o rigor necessário e se nenhum intruso se pode introduzir no Vale
dos Reis. As minhas felicitações, polícia. Acabas de provar-me que o
dispositivo montado é eficaz. O núbio estava perplexo. Mesmo assim, o chefe
devia ter-me prevenido. Não compreendes que era impossível? Vamos juntos ter
com o chefe. Não tenho o direito de te deixar ir embora assim. Fazes o teu
trabalho na perfeição. Sob a Luz da lua cheia, o sorriso conciliador de Méhi
deu confiança ao núbio, que enfiou o cacete no cinto. Rápido como uma víbora da
areia, o tenente de transportes mergulhou com a cabeça para a frente e embateu
no polícia em pleno peito. O infeliz oscilou para trás e caiu pela encosta até
uma plataforma sobre o Vale. Com risco de quebrar o pescoço, Méhi juntou-se-lhe
e constatou que, apesar de uma ferida profunda na têmpora, o polícia ainda
estava vivo. Sem prestar atenção ao olhar suplicante da sua vítima, acabou com
ele com uma pedra pontiaguda, esmagando-lhe o crânio.
Com o coração frio, o assassino esperou um longo momento. Quando
teve a certeza de não ter sido detectado, Méhi tornou a subir ao cimo da
colina, tendo o cuidado de se segurar bem. Redobrando de precauções, afastou-se
do local interdito. Graças àquela noite maravilhosa, só tinha uma ideia na
cabeça: decifrar o mistério do Lugar de Verdade. Mas, como o conseguir? Visto
que não podia entrar na aldeia, precisava de descobrir o meio de obter
informações fiáveis. E o assassino entreviu um esplêndido futuro: os segredos e
as riquezas da confraria pertencer-lhe-iam, a ele e só a ele!» In Christian Jacq, A
Pedra da Luz, Néfer. O Silencioso, Bertrand Editora, 2000, ISBN 978-972-251-135-3.
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