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A
criação de uma futura Rainha (1085-1095)
«(…)
Isto leva a perguntar quais seriam as características da mulher que atraiu um homem
como o rei Afonso VI. É quase certo que devia possuir as qualidades exigidas à esposa
de um monarca peninsular segundo estabeleceria a Lei das Partidas, século e meio
depois. Isto é, ser de boa linhagem, bela, de bons costumes e boa saúde.
Depois de conquistar uma praça tão importante como Toledo, que lhe permitia fazer-se
chamar imperator com total fundamento
jurídico, o rei de Leão e Castela não podia aspirar a menos. Não há indícios de
que as relações de Afonso com Jimena Muñiz começassem antes da reconquista de
Toledo, excepto o processo judicial do castelo de Ulver em 1080. Mas não há dúvida
da tomada da antiga capital do reino visigodo e sobretudo de que as suas consequências
determinariam o destino da sua filha dona Teresa, a primeira rainha de Portugal.
Além da sua importância simbólica e estratégica, Toledo era, depois de Córdova,
a cidade mais culta e rica da Península. A partir de 25 de Maio de 1085 passaria
para as mãos dos cristãos. Na verdade, nos primeiros meses depois da sua conquista,
a chamada do muezim misturar-se-ia com o repicar dos sinos das igrejas
católicas, templos nos quais ainda não se podia efectuar o rito moçárabe, com as
suas antigas galas e salmodias visigodas.
Afonso,
demonstrando as suas qualidades de político pragmático, tinha aceitado que os muçulmanos
não só conservassem as suas propriedades, mas também que tivessem liberdade
para realizar os seus cultos nas mesquitas. Segundo uma lenda, a indignação da rainha
Constança levaria mais tarde o rei a revogar essa medida. conta-se, erroneamente,
que nesse momento se forjou a expressão castelhana ali vão leis onde querem
reis, demonstração de quão leve podia ser na altura a força do princípio
jurídico, em comparação com a simples vontade (ou o capricho) dos soberanos. O
rei usaria de maior cautela com os judeus, uma minoria importante não só do ponto
de vista numérico, pois era decisiva para o bom funcionamento da cidade. Calcula-se
que havia uns 4000 entre os 28 000 habitantes, isto é, rondariam os quinze por cento.
Afonso VI sabia que não podia prescindir das suas capacidades para o comércio, a
administração de propriedades, o crédito e a medicina. É provável que tivesse tomado
como médico Joseph ben Ferrusiel, aliás Cidiello
(senhorito), membro de uma distinta família hebraica que tinha propriedades nos
arredores da cidade e que prezava pertencer à estirpe de David. Daí que os seus
correligionários preferissem chamar-lhe ha-Nasi
(o Príncipe, numa das suas acepções). Para Afonso VI as questões políticas e militares
estariam sempre muito relacionadas com as económicas, e estas com as religiosas,
como se pode ver numa carta que assinou no dia 29 de Maio de 1085, com certos
notáveis coimbrões, na sua maioria moçárabes, que conseguiram que o monarca lhes
renovasse então os foros que o pai, o rei Fernando I de Leão, tinha concedido duas
décadas antes à cidade de Coimbra.
Alguns
habitantes de Coimbra faziam parte das forças chegadas a Toledo para participar
na Reconquista. Entre eles encontrava-se Sisnando Davides. Afonso VI confiava tanto
nele que acabaria por lhe entregar durante algum tempo o governo da cidade de
Toledo, uma vez que existia uma estreita relação estratégica entre essa cidade e
a fortaleza de Coimbra, da qual Sisnando era dux, e que protegia a fronteira. Apesar da necessidade de ter
um filho varão se tornar cada vez mais urgente, não parece que Jimena Muñiz del
Bierzo se encontrasse em Toledo por aqueles dias, pois no dia 1 de Outubro desse
mesmo ano (1085), a uma considerável distância dali, a provável irmã do tenente do castelo de Ulver
confirmava com ele uma doação ao mosteiro de São Pedro de Montes, localizado na
mesma zona berciana onde se elaborou o documento, e nada do que nele está escrito
permite intuir que essa mulher fosse, na altura, muito amada pelo rei. A
reconquista de Toledo gerou um optimismo que ultrapassou os limites ibéricos e estimulou
o desejo de glória de nobres cavaleiros de mais além dos Pirenéus, alguns dos quais
se sentiam atraídos pela ideia de fazer parte das gestas da Cruzada de
Espanha, como se chamaria depois à Reconquista, e também de lavrar um futuro
que no seu país seria talvez mais difícil». In Marsilio Cassotti, D.
Teresa, A Primeira Rainha de Portugal, Prefácio de G. Oliveira Martins, Attilio
Locatelli, A Esfera dos Livros, 2008, ISBN 978-989-626-119-1.
Cortesia
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