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Com a devida vénia a Rui Godinho.
«São muitas as causas geralmente apontadas para os naufrágios:
- carga excessiva e mal acondicionada,
- má construção, idade avançada dos navios,
- defeitos de calafetagem, reparações imperfeitas e incompletas,
- mau estado dos aparelhos e do próprio navio ou o número insuficiente de bombas.
Outros motivos podiam ser as partidas tardias, o excessivo tamanho das naus, a pressa em chegar ao destino, a obstinação de alguns pilotos e a inexperiência de muitos capitães. Quanto a estas causas não existem grandes dúvidas; o que as provoca ou facilita é que pode variar.
Exemplo disso era a sobrecarga à volta (bastante comum) porque todos queriam transportar os seus pertences (as liberdades e quintaladas) independentemente do espaço disponível; os regimentos proibiam tais práticas mas como todos lucravam acabava-se por não se apurar responsabilidades.
Os dados para as causas revelam a dificuldade e o estado embrionário em que se encontram estes estudos com cerca de 40% dos casos com causas desconhecidas. Temos, ainda assim:
- a má navegação com 16%,
- as tempestades com 12,8%,
- os inimigos com 10,5%,
- o mau estado de conservação com 10%,
- incêndios e outros acidentes com 6,8%,
- o excesso de carga com 5,5%.
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Os exemplos para quaisquer destes casos pode ser encontrado disperso nas muitas fontes e foram apontados ainda durante o século XVII. O próprio D.Filipe I, em 1597, dirige-se ao Vice-Rei D.Francisco da Gama e define as causa principais «não ser a gente da nauegação qual conuem, virem sobejamente carregadas de fazendas de partes, e partirem tarde», para logo de seguida exigir ao mesmo que faça cumprir os regimentos que havia para todas estas situações e que eram o remédio mais que necessário para elas. Este problema só será resolvido após a primeira metade do século XVII com acções mais drásticas que incluem algumas penas de morte aplicadas (e não perdoadas) a oficiais responsabilizados pela perda do galeão Santo Milagre em 1647 e do S.Lourenço em 1649.
O viajante Laval confirma a má fama dos artilheiros e considera os portugueses «a gente mais frouxa na guerra do mar, que há em tôda a cristandade e nessa reputação são tidos, segundo o que eu por mim mesmo pude conhecer». A capacidade dos soldados parece ser bastante melhor. Os portugueses sempre preferiram o combate com arma branca depois de uma abordagem. A abordagem directa era um dos modelos de combate preferido pelos portugueses, talvez por ser mais «cavaleiresco» e assim mais digno de um nobre como o eram os capitães.
Se até 1586 a segurança parece estar assegurada, após essa data (em que Francis Drake ataca os Açores) e até 1635 são 15 os navios perdidos por acção inimiga o que mesmo assim representa apenas 10% das perdas e 3% das viagens tentadas.
Assiste-se em 1591 e 1599, pela primeira vez, à não chegada de qualquer navio a Lisboa e em 1598, também pela primeira vez, à não partida da armada devido a um bloqueio inglês. Entre 1587 e 1668 apenas 3,8% das viagens tentadas foram travadas. A entrada de holandeses e ingleses nesta corrida não é inocente e traz um impacto significativo para a estrutura imperial portuguesa já instalada, mas desadequada às novas realidades que estas potências vão introduzir.
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Quanto aos locais das perdas, tendo em atenção as condições de navegação ou os problemas com os ataques inimigos:
- temos a costa portuguesa e a sua proximidade,
- os Açores,
- a área do Canal de Moçambique,
- a zona do cabo da Boa Esperança,
- do Natal.
Estas 5 zonas, somadas aos casos desconhecidos, representam cerca de ¾ do total de perdas.
Todo o problema dos naufrágios apresenta variantes muito interessantes e que mostram um pouco dos limites a que a navegação à vela estava exposta nos séculos XVI e XVII numa rota tão especial como a da Carreira da Índia. O cruzamento de factores e causas, bem como o seu número e impacto relativo na Carreira foi muito variável com os responsáveis portugueses a sofrerem bastante com a viragem de 1590, mas a responderem, dentro do possível, até à década de 1620 onde novos problemas vêm dar novo golpe com o crescimento das perdas e do seu impacto. Mesmo assim factores como os ataques inimigos ou a falta de perícia dos pilotos portugueses não é tão grande como por vezes se aventou, ao mesmo tempo que a sobrecarga e a exploração dos limites das condições meteorológicas teve efeitos bem funestos». In Rui Godinho, Viagens, Viajantes e Navegadores, CVC, Instituto Camões.
Bibliografia
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DUNCAN, T. Bentley, “Navigation Between Portugal and Asia in the Sixteenth and Seventeenth Centuries”, Asia and the West. Encounters and Exchanges from the age of Explorations. Essays in Honor of Donald F. Lach, Notre Dame-Baltimore, 1986, pp.3-25.
GODINHO, Vitorino Magalhães, “Rota do Cabo”, Dicionário de História de Portugal, Vol. V, Porto, imp.1989, pp.371-390.
LOPES, António Lopes, FRUTUOSO, Eduardo e GUINOTE, Paulo, “O Movimento da Carreira da Índia nos séculos XVI-XVIII. Revisão e Propostas”, Mare Liberum, nº 4, Dezembro de 1992, pp.187-265
IDEM, Naufrágios e outras perdas da “Carreira da Índia”- Séculos XVI e XVII, Lisboa, 1998.
VIDAGO, João, ”Sumário da Carreira da Índia. 1497-1640”, Anais do Clube Militar Naval, Vol. XCIX, Tomos 1-3, 4-6, 7-9 e 10-12, Janº-Mar., Abr.-Jun., Jul-Setº e Outº-Dezº de 1969, pp.61-99, 291-329, 565-594 e 863-900.
Cortesia do Instituto Camões/JDACT