O Bastardo do rei Bravo
«(…) De dom João I descendem, por
via legítima ou ilegítima, todos os reis que depois dele reinaram em Portugal,
mas também muitos dos príncipes que reinaram (ou ainda reinam) em Espanha, França,
Alemanha e Áustria, Bélgica, Luxemburgo, Hungria, Boémia, Baviera, Polónia, Saxónia,
Liechtenstein, Württemberg, Bulgária, Roménia, Jugoslávia, Itália, Etrúria,
Parma, Sardenha, Toscana, Brasil ou México. Para só falar nos mais importantes
descendentes do bastardo de dom Pedro I.
A Bastarda do Formoso
O último rei da
primeira dinastia, formoso em parecer e muito vistoso, não foi um modelo de
virtudes. Mancebo valente, ledo e namorado, amador de mulheres e chegador a
elas, como Fernão Lopes o descreve na sua crónica, dom Fernando esteve para
casar primeiro com a infanta dona Leonor de Aragão, de quem alguns disseram
nunca tão feia coisa terem visto. Mas esse casamento, contratado para obrigar o
pai da noiva a participar na primeira guerra fernandina contra os castelhanos,
acabou por não se realizar. E outro foi contratado, com outra Leonor, a filha
de Henrique II, o Bastardo de Trastâmara.
Esse matrimónio ficou
assente em 1371, quando Portugal e Castela firmaram as Pazes de Alcoutim. Mas
também ele não veio a efeito, porque dom Fernando conheceu, entretanto, uma
terceira Leonor, a famosa e formosa Leonor Teles, por quem ficou ferido de amor.
O monarca desejou-a para amante; mas ela declarou que só casada se deitaria com
ele. E dom Fernando fez-lhe a vontade, sem dar nenhuma importância ao facto de
Leonor Teles ser a legítima esposa de João Lourenço Cunha, senhor de Pombeiro,
a quem já dera um filho, Álvaro Cunha, e estava prestes a dar outro. Invocando
impedimentos canónicos para o primeiro casamento da sua amada, dom Fernando
apropriou-se dela. Munido das dispensas papais que oportunamente requerera para
contrair matrimónio, João Lourenço ainda tentou contrariar o rei. Mas vendo que
não lhe cumpria porfiar muito em tal feito deu à demanda lugar que se vencesse cedo
e foi-se para Castela, por segurança de sua vida. Diz-se que, no reino vizinho,
andou sempre com um chapéu decorado com um corno de oiro, para que todos
pudessem conhecer a dolorosa razão do seu exílio forçado. E assim foi que dom
Fernando se uniu a dona Leonor Teles Meneses, primeiro às ocultas (ou a furto, como
então se dizia) e, a seguir, de praça, provocando o seu casamento grão nojo a
Deus, aos fidalgos e a todo o povo.
Leonor Teles não foi,
contudo, o primeiro amor do rei Formoso, que, sendo mancebo e ledo e homem de
prol, se apaixonou por dona Beatriz, sua irmã, ou, mais exactamente, sua
meia-irmã, por ser filha de dom Pedro e de dona Inês de Castro. Teve por ela,
no dizer do cronista, uma afeição mui continuada, de que veio a nascer nele tal
desejo de a haver por mulher que determinou em sua vontade casar com ela, cousa
que até aquele tempo não fora vista. Ao que parece, chegou a dar alguns passos
nesse sentido. E, em qualquer caso, eram os jogos e falas entre eles tão amiúde,
misturados com beijos e abraços e outros desenfadamentos de semelhante preço,
que fazia a alguém ter a desonesta suspeita da sua virgindade ser por ele
minguada.
Estes incestuosos
amores poderão ter tido um fruto, dona Isabel, uma menina nascida em 1364,
quando dom Fernando ainda era solteiro. Há quem a diga filha de dona Beatriz, o
que não parece de todo impossível. Mas a maioria dos historiadores e
genealogistas declaram-na havida de mãe desconhecida. A única bastarda do rei
Formoso (desde que se admita ter sido legítimo o seu casamento com dona Leonor
Teles) estivera acertada para casar com dom João, filho do conde de Barcelos e
sobrinho da rainha, que morreu de tenra idade. E, como dote do seu casamento,
recebeu a cidade de Viseu e as vilas de Celorico, Linhares e Algodres. Mas,
depois de dom Fernando assinar com o Bastardo de Trastâmara o Tratado de
Santarém, que, em Março de 1373, pôs termo à segunda guerra fernandina,
assentou-se que dona Isabel casaria com o conde de Gijón e Noronha, Afonso
Henriques, que tinha 18 anos e era o primeiro dos 15 filhos bastardos de Henrique
II». In
Isabel
Lencastre, Os Bastardos Reais, Os Filhos Ilegítimos, Oficina do Livro, 2012,
ISBN 978-989-555-845-2.
Cortesia de OdoLivro/JDACT
JDACT, História de Portugal, Isabel Lencastre, O Paço Real, Conhecimento,