«(…) Porém o que mais chamava a atenção de quem o via pela primeira vez ao vivo ou numa foto frontal na imprensa, muito escassas, era o tapa-olho que exibia em sua vista direita, uma venda de caolho das mais clássicas, teatrais ou até cinematográficas, negra e avultada e bem cingida por um elástico fino da mesma cor que cruzava em diagonal a sua testa, e se ajustava sob o lóbulo da orelha esquerda. Sempre me perguntei por que esses tapa-olhos têm curvatura, não os que se limitam a tapar, de pano, mas os que ficam inamovíveis e como que encaixados e são de não sei que material rígido e compacto. (Parecia baquelite, e dava vontade de tamborilar nele com o rosado das unhas para saber como era o tacto, o que nunca ousei averiguar com o do meu empregador, lógico; soube em compensação, isso sim, como soava, pois às vezes, quando estava nervoso ou se irritava, e também quando parava para pensar antes de soltar uma frase ou uma fala, com o polegar sob a axila como se fosse o diminuto bastão de um militar ou de um cavaleiro passando em revista suas tropas ou suas cavalgaduras, Muriel fazia exactamente isso, tamborilava no tapa-olho duro com o branco ou com o filete das
unhas da mão livre, como se
invocasse em seu auxílio o globo ocular inexistente ou que não servia, devia
gostar do som, e de facto era agradável, cric-cric-cric; no entanto, dava um
certo arrepio vê-lo chamar assim por seu olho ausente, até você se acostumar
com esse gesto)
Talvez aquele volume buscasse
produzir a impressão de que debaixo há um olho, embora talvez não haja, e sim
uma órbita vazia, um oco, uma fundura, um afundamento. Talvez esses tapa-olhos
sejam convexos precisamente para desmentir a concavidade horrenda que ocultam
em alguns casos; quem sabe não estão recheados com uma esfera acabada de vidro brando
ou de mármore, com sua pupila e sua íris pintados com realismo ocioso,
perfeitos, que nunca hão-de se ver, envolta em negro, ou que só seu dono verá, terminado
o dia, ao destapá-la cansado diante do espelho, e quem sabe tirá-la.
E se isso inevitavelmente chamava
a atenção, não atraía menos o olho útil e descoberto, o esquerdo, de um azul
escuro e intenso, como de mar vespertino ou quase já anoitecido, e que, por ser
somente um, parecia captar tudo e se dar conta de tudo, como se houvessem concentrado
nele as capacidades próprias e as do outro, invisível e cego, ou como se a
natureza quisesse compensar isso com um suplemento de penetração pela perda do
seu par. Tantas eram a força e a rapidez desse olho que eu, gradativa e
dissimuladamente, tentava me situar às vezes fora do seu alcance para que não
me ferisse com seu olhar agudo, até Muriel me admoestar: Fique um pouco à
direita, aí você quase sai do meu campo de visão e me obriga a me contorcer,
lembre-se que ele é mais limitado que o seu». In Javier Marías, Assim Começa o
Mal, 2015, Alfaguara, ISBN 978-989-665-008-7.