Invasão. 1096-1100
«Kilij
Arslan é apanhado de surpresa. Quando lhe chegam as primeiras noticias, os
atacantes já estão sob os muros de sua capital; e o Sol ainda não atingia o
horizonte quando os cidadãos veem subir a fumaça dos incêndios. Imediatamente,
o sultão manda uma patrulha de cavaleiros, que se choca com os franj. Esmagados
pelo número, os turcos são massacrados. Apenas raros sobreviventes voltam,
ensanguentados, para Niceia. Vendo seu prestígio ameaçado, Kilij Arslan resolve
começar a batalha imediatamente, mas os emires de seus exércitos o desaconselham.
A noite já vai cair e os franj retiram-se às pressas para seu
acampamento.
A
vingança terá que esperar. Contudo não por muito tempo. Aparentemente animados
com seu sucesso, os ocidentais repetem a façanha duas semanas mais tarde. Dessa
vez, o filho de Suleiman, avisado a tempo, segue passo a passo sua progressão.
Uma tropa franca, compreendendo alguns cavaleiros, mas sobretudo milhares de
saqueadores esfarrapados, pega a estrada de Niceia, depois, contornando a
aglomeração, dirige-se para o leste e toma de surpresa a fortaleza de
Xerigordon. O jovem sultão se decide.
À
frente de seus homens, cavalga rapidamente em direcção à pequena praça-forte
onde, para comemorar sua vitória, os franj embebedam-se, incapazes de
imaginar que seu destino já esteja selado. Pois Xerigordon apresenta uma
armadilha que os soldados de Kilij Arslan conhecem bem, mas que esses estrangeiros
inexperientes não foram capazes de descobrir: o abastecimento de água que se
situava fora, bastante longe das muralhas. Então os turcos não precisam de
muito tempo para interditar seu acesso. Basta-lhes tomar posição ao redor da
fortaleza e não se mover mais. A sede luta por eles.
Para
os sitiados, começa um suplício atroz: eles chegam a beber o sangue de suas
montarias e sua própria urina. Podem ser vistos, nesses primeiros dias de Outubro,
olhando desesperadamente para o céu, mendigando algumas gotas de chuva. Em vão.
Após uma semana um cavaleiro chamado Renaud, chefe da expedição, aceita a
capitulação com a condição de que lhe seja poupada a vida. Kilij Arslan, que
exigiu que os franj denunciem
publicamente a sua religião, não fica pouco surpreso quando Renaud se diz
pronto não só a converter-se ao islamismo, mas também a combater ao lado dos
turcos contra seus próprios companheiros. Vários de seus amigos, que se
prestaram às mesmas exigências, são enviados como prisioneiros para as cidades
da Síria ou da Ásia Central. Os outros são mortos pela espada. O jovem sultão
está orgulhoso de sua proeza, mantém-se ponderado. Após ter concedido a seus
homens um prazo para a tradicional partilha dos bens restados da guerra, ele os
coloca em alerta a partir do dia seguinte». In Amin Maalouf, As Cruzadas
vistas pelos Árabes, 1983, Colecção História Narrativa, nº 38, Reimpressão,
Edições 70, Ensaio, 2016, ISBN-978-972-441-756-1.
Cortesia de Edições70/JDACT
Amin Maalouf, JDACT, Literatura, Árabes,