Dentro do quadro estritamente nacional não cabem nem se explicam o movimento de expansão geográfica dos Portugueses e o seu dirigente principal, o Infante D. Henrique. O Infante Navegador é uma das maiores figuras da Humanidade e a empresa dos descobrimentos lusitanos, uma das mais fecundas em resultados de todos os tempos.
Basta divisar em conjunto a marcha geral da expansão do homem no planeta para se tornar patente que o momento decisivo, nessa série de tentativas por tantos séculos dispersas, é aquele em que os Portugueses, sob a direcção ou a inspiração do Infante, conseguem não só dar corpo e unidade aos esforços do passado,
mas assegurar-lhes, pela eficiência do novo impulso, a continuidade no futuro. Com o advento das navegações portuguesas, o homem vai pela primeira vez conhecer os lineamentos gerais e a grandeza do planeta que habita, e concebe das suas possibilidades sobre a terra uma ideia exaltadora em alto grau das suas energias.
Com efeito, quando se contemplam nas suas grandes linhas os movimentos da história, neste curto espaço de dois séculos que decorrem entre o fim da Idade Média e o começo do Renascimento, dir-se-ia que de súbito os povos, durante milénios confinados nos limites mais ou menos escassos dos seus quadros geográficos, se lançam por mar e terra, através de continentes e oceanos, renovando e alargando infinitamente o horizonte da vida.
Aos Portugueses cabe, pode-se afirmá-lo hoje, a glória de haverem sido os principais animadores desse primeiro esforço de unificação da Humanidade.
Compreende-se, pois, que só projectando a figura do Navegador e a sua empresa no vasto planoo da História Universal, se possa abarcar conjuntamente a estatura do homem e o alcance da obra.
Por outro lado, as navegações dos Portugueses não constituem um acontecimento único e sem precedentes. Não só obedecem a um certo número de causas gerais e particulares, mas, olhados do ponto de vista das primeiras, pertencem a uma espécie de factos, cujo conhecimento ganha, por forma decisiva, em ser estudado nos seus caracteres comuns.
Dando à palavra lei o significado muito relativo e o carácter de precária necessidade que tem em matéria de história e sociologia, pode enunciar-se a seguinte lei histórica:
- todo o movimento de expansão geográfica obedece antes de mais nada às necessidades da procura e do transporte dos produtos.
Que outras causas de caracter_espiritual possam somar-se a estas, e em geral apareçam fundidas com elas, não é menos verdade; mas na base de todos os descobrimentos geográficos, de carácter perdurável, encontram-se as razões económicas. Trata-se duma regra sem excepção, cuja plena validade pode estudar-se na hisiória de todos os povos navegadores, desde os Cretensses e os Tartéssios até aos Holandeses e aos Ingleses. Verdade rudimentar, é,certo, mas que não deixa de ser ignorada ainda de alguns historiógrafos, que falseiam assim, por um erro de visão inicial, as conclusões posteriores.
Todo o movimento de expansão marítima supõe igualmente um mínimo de condições orgânicas gerais, ou seja um ambiente económico internacional que solicite aquele esforço, e particulares, isto é, um onjunto de aptidões específicas em determinado povo ou grupo social que lhe permitam levá-lo a cabo.
Realizadas estas condições, e constituído que seja um Estado marítimo, toda a sua política, forçada pelo seu condicionalismo particular, tende a transformar a posse das estradas marítimas em monopólio, ciosamente guardado por todos os meios, entre os quais, o que importa muito ao nosso caso, o segredo geográfico.
Um exemplo tomado, por mais típico, entre os povos da Antiguidade, nos servirá para ilustrar com eloquência esta asserção. Cartago, metrópole de mercadores e navegantes, especializada pela ascendência fenícia nas técnicas navais e mercantis, nasceu do alargamento da vida económica dos Povos do Mediterrâneo, aos quais, durante séculos, assegurou alguns dos produtos mais ricos ou indispensáveis às indústrias dessa época, isto é, o estanho do Noroeste da Península Hispânica e do Sudoeste da Inglaterra, a prata da Espanha, e o oiro do Sudão.
Já antes dos Cartagineses, esses produtos chegavam aos mercados do Mediterrâneo, quer pelas vias terrestres através da França ou do Norte de África, quer pela marítima por intermédio dos Tartéssios, que íam buscar o estanho navegando o Atlântico. Das mãos desses e de muitos intermediários recebeu Cartago durante séculos os produtos que ia depois vender aos outros povos. Mas uma pequena frota sua que alcançasse directamente os centros produtores, sobre oferecer uma capacidade de transporte muito maior que as duma grande caravana, tinha a vantagem de suprimir os intermediários terrestres e marítimos, tão numerosos, facilidades estas que multiplicavam e barateavam os produtos». In Jaime Cortesão, A Expansão dos Portugueses no Período Henriquino.
Cortesia Portugália Editora, Abril 1965/JDACT